domingo, 16 de maio de 2010

11 de maio – Chegada em Delhi

O aeroporto de Delhi inicialmente me lembrou o Galeão do Rio de Janeiro, mas depois se mostrou ser ainda mais decadente. Tinha um formulário enorme para ser preenchido e obviamente eu não tinha uma caneta. Será difícil, mas vou tentar lembrar de trazer uma na próxima viagem. Para entrar no Brasil preenche-se um formulário semelhante. Burocrata adora formulários, havia preenchido um maior ainda pra tirar o visto pra Índia. Fiquei pensando se alguém se dá o trabalho de digitar aquilo em um sistema de controle de imigração, mas acho bem difícil, aquilo deve ir pra uma pasta pra alimentar fungos e traças por anos afio. Passei pela polícia de fronteira que me fez várias perguntas, inclusive o nome completo e telefone do meu amigo indiano já que eu não sabia o endereço onde iria ficar. É, um país com uma população de 1,12 milhão de habitantes e crescendo, cercado de países mais pobres ainda, precisa se preocupar com imigração...
Fui lá pra esteira de bagagem esperar pela minha mas meio que já antevendo que não chegaria. Dito  e certo, os alemães não conseguiram ser tão eficientes assim. Fiquei esperando na fila pra falar com um funcionário da companhia, atrás de outros passageiros que também não haviam recebidos suas malas. A mulher da minha frente estava reclamando um monte com o funcionário, e ele pedindo várias desculpas. Segui o protocolo de reclamação sem demonstrar consternação, cansado que estava e já imaginando que aconteceria mesmo, além de saber que nessas horas não adianta perder muito tempo reclamando com um funcionário de atendimento ao público.
Vi a mulher da minha frente receber 6.000 rúpias, e achei que seria uma indenização ridícula pela perda da mala. Na minha vez o rapaz me trouxe 4.000 rúpias. Falei pra ele que aquilo não era nem 10% do valor de minha bagagem, mas ele falou que era só uma compensação que a companhia oferecia pelo transtorno, e que a bagagem chegaria lá posteriormente e eles me ligariam pra me entregar. É... preciso aprender a reclamar mais, e daí quem saiba receba compensações melhores pelos transtornos.
Saí para área de desembarque e achei que estava bem vazia, uma área pequena, algumas poucas lanchonetes, e algumas poucas pessoas esperando passageiros com placas de nome. Procurei uma com meu nome, pois Mayank havia me dito que mandaria o amigo dele me buscar, mas não achei. Liguei pra Mayank e ele me confirmou que o amigo dele estava lá, e me passou o número. Quando liguei para Lokesh, o amigo, ele falou que estava lá na saída.
Falando assim parece que foi uma comunicação fácil, mas foi o momento que comecei a ver que eu teria muitas dificuldades de comunicação na Índia. Se você perguntar a um indiano eles dirão que os indianos falam muito bem o inglês, mas para mim que falo mal inglês, entendê-los é quase impossível, pois o sotaque é super estranho. Achava que o inglês era quase língua oficial na Índia, mas não, eles falam mesmo hindi, com uma ou outra palavra moderna em inglês no meio, e com entonações próprias e um `r` bastante puxado. Na maior parte das vezes quando falam comigo eu simplesmente balanço a cabeça afirmativamente e sorrio, mas quando é uma pergunta sou obrigado a dizer que não entendi e pedir a pessoa pra repetir.
Mas voltando ao aeroporto, vi uma porta pequena escrito saída, e saí por ali procurando o tal Lokesh com a placa, e daí entendi que o salão do desembarque estava vazio porque a polícia não deixa as pessoas entrarem, só se pagarem pela entrada, que custa a fortuna de Rs 80,00. Em resumo, havia uma multidão de pessoas do lado de fora do aeroporto esperando os passageiros, povo descalço ou com aparência pobre, um calor infernal, uma barulheira insana, todo mundo falando ao mesmo tempo, um policial com uma vareta reclamando com o povo pra se manter atrás da grade de contenção, e moscas pra todo lado. Estou na Índia!
Pedi ajuda a um policial idoso com um turbante vermelho na cabeça pra orientar ao meu cicerone onde eu estava, e consegui por fim encontrar com Lokesh.
Se ele tivesse me dito que era baiano mas que tinha ido pra Índia pequeno eu acreditaria. Todo mundo por aqui poderia se passar por um baiano, assim como muita gente aqui achou que eu era indiano, exceto pela roupa um pouco diferente. Lokesh é um moreno claro, cabelo liso, e estava vestido com uma camiseta, jeans e um chinelo. Baiano típico.
Entramos no táxi e ele deu as instruções para o choffer em uma língua ininteligível. Depois me perguntou algo em um inglês ininteligível. E daí fomos seguindo num entendimento precário até o hotel em Gurgaon. Ele havia ido me esperar no dia anterior, e havia tentado me ligar no celular sem sucesso. Pedi desculpas a ele, eu não sabia que Mayank iria mandar alguém me esperar, e só avisei a ele que o voo havia sido cancelado quando consegui marcar o voo no dia seguinte.
Fui andando no táxi achando Delhi uma cidade moderna, mas estranhando aquele dirigir do lado direito do carro, e aquela confusão no trânsito com todo mundo andando como se não houvessem faixas e buzinando sem parar. No pedágio a fila andava rápido, e quando observei vi o rapaz do guichê pegando alucinadamente o dinheiro dos motoristas e entregando o papel e o troco e liberando a cancela. Queria que os funcionários dos guichês da Linha Verde vissem aquilo.
Fomos seguindo para Gurgaon e fui vendo prédios muito bonitos e modernos. Lokesh me explicou que Gurgaon é uma cidade ao sul de New Delhi, onde ficam as sedes de todas as empresas de tecnologia multinacionais e nacionais instaladas por lá. IBM, Accenture, Yahoo, Google, Dell, Panasonic, tinha de tudo por lá. Tudo por conta da mão de obra vasta e barata para o desenvolvimento de software. Este é um dos grandes motivos desta minha visita à Índia, um workaholic nunca tira férias, ele expande seu networking em novos horizontes.
Saímos da estrada principal e já caímos em umas ruas estreitas até umas de barro. Lá ficava a Guesthouse da minha primeira noite, um tipo de pousada. Lokesh me explicou que hotel em Gurgaon é muito caro, e por isto haviam reservado esta pousada pra mim. Lembrei-me de quando fiquei em um hotel de rodoviária em Fortaleza, em 2000, no meu primeiro projeto na Telemar antes de fundar a ITIn. O quarto mais barato era pior do que qualquer pousada que eu tenha ficado desde então, e ainda assim era melhor do que este da guesthouse, ainda mais com a impressão estranha de ver funcionários dormindo no chão do hall de passagem as 3h da tarde, com aquele cheiro típico de pessoas que suam muito mas nunca usam sabonete nem desodorante e pouco se banham. Bem, lá já estava e lá dormiria.
Após 3 horas de sono Lokesh apareceu acompanhado por Ram, meu choffer e guia pelos próximos dias. Já tinham de avisado que aqui na Índia é muito barato contratar um carro com choffer para te levar para os lugares, mas tendo sido Mayank a providenciar foi melhor ainda, pois ele montou um roteiro com algumas cidades e locais para Ram me levar e ficar disponível para o que eu desejasse fazer 24h. Está aí uma comodidade que não imaginaria encontrar em outro lugar, não pelo preço que se paga aqui. Mas estou percebendo que a relação do indiano com a vida, trabalho e dinheiro é bastante peculiar, voltarei ainda a este assunto.
Ram supostamente fala inglês, mas ele sempre mistura um hindi pelo meio, e não tem muito vocabulário, de forma que a gente vai se entendendo aos poucos. Ele me levou pra conhecer New Delhi, ou a parte nova de Delhi, arquitetada pelos ingleses logo antes da independência para se tornar a nova capital. Fomos direto para a Cornaugh Place, uma grande praça redonda com vias saindo ortogonalmente em várias direções. Pareceu-me uma espécie de centro comercial de New Delhi, com várias ruas com lojas ao redor, muitas delas de marcas extrangeiras.


O trânsito
O trânsito é algo insano, inicialmente você não entende como é que não ocorre um acidente a cada 10 segundos em sua frente. São caminhões, ônibus, carros, motos, pessoas e tuk-tuks (um táxi que é metade da largura de um carro com 2 rodas atrás e 1 na frente), tudo misturado num balaio de gato que te deixa zonzo. Estou com o pé dolorido de tanto pisar no pedal de freio imaginário em minha frente, e várias vezes já falei de susto “bateu”, em português é claro.
Os motoristas buzinam sem parar, buzinam por qualquer coisa, para acelerar quem está na frente, pra reclamar, pra avisar que estão ali, e na grande parte das vezes buzinam pra avisar que estão passando.
Os pedestres atravessam, meio que olhando, meio que sem olhar, botando a mão dizendo pra você diminuir.
Os carros entram nas vias malmente olhando pra ver se vem alguém, ele simplesmente vai buzinando e entrando, não espera uma hora livre pra entrar, e os carros que vêm na via simplesmente diminuem e seguem atrás.
Aliás, já vi Ram bater de leve em um tuk-tuk na frente, e o que aconteceu? Nada, nem os passageiros que estavam sentados no banco de trás se deram o trabalho de olhar pra ver a cara de Ram. Por isto todos os carros têm pequenas mossas/amassados, e ninguém está nem aí pra consertar.
Inclusive, diga-se de passagem, em nenhum momento vi ninguém xingar outro no trânsito, as poucas vezes foram reclamações bem educadas. É impressionante.
Sabe qual é o grande truque disto tudo? A velocidade. Dificilmente a velocidade nas ruas passa de 40Km/h, no meio da craude a velocidade varia em torno de 20Km/h, e nas grandes avenidas roda-se a 60Km/h. A esta velocidade qualquer incidente pode ser contornado e nenhum acidente se torna grave. E antes que se pense que nesta lerdeza não se chega a nenhum lugar vou dizer que não vi o trânsito parar em nenhum momento. É uma grande confusão que constantemente flui, raramente existe semáforo, e andamos distâncias maiores do que 20Km sem nunca termos demorado mais do que 40min. Isto numa cidade maior do que São Paulo.
Não que eu ache que nosso trânsito devesse ser zoneado desse jeito, mas estou cada vez mais convencido de que a maior parte dos semáforos mais atrapalha do que ajuda o trânsito, que o hábito de dar passagem faz o trânsito como um todo melhorar muito, reduzindo o tempo de viagem, e que velocidade acima de 60Km/h é o maior ofensor para os acidentes automobilísticos.
Uma boa analogia sobre como funciona o trânsito por aqui é olhar para como andamos em uma multidão em uma rua de comércio, um shopping lotado ou uma estação de ônibus ou metrô na hora do rush, isto numa densidade em que ainda conseguimos andar sem estarmos espremidos. A gente anda no meio de todos e pouco nos chocamos com as outras pessoas, são muitas pessoas mas não chegamos a parar para esperar, o fluxo é contínuo em grande parte do tempo, e sempre deixamos as pessoas passarem em nossa frente mantendo sempre uma distância mínima de todos ao redor. O povo aqui está muito acostumado a andar em multidão de forma civilizada, e agem da mesma forma no trânsito. Estou impressionado.
Mas voltando ao relato do dia, estava com fome e Ram me levou a um McDonalds, ele deve ter imaginado que seria o que eu mais gostava. Não quis nesta primeira refeição partir logo pra comida indiana, e daí aceitei a sugestão do Mac. O único sanduíche que tinha com proteína animal era o McChicken, e foi este mesmo, o resto eram opções vegetarianas.
Minha primeira missão era comprar um chip local, para poder fazer e receber chamadas do povo aqui, de preferência com pacote de dados. Andamos no meio ao calor infernal, com uma poeira poluída, e por ruas sujas e fedorentas, consegui comprar um chip, mas lá não fazia a carga (???), saímos por mais ruas de terra com cheiro de esgoto para achar uma loja subindo uma escada de 50cm de largura para chegar em um cubículo de 3 m² e pé direito de 1,9m (nem era quente e abafado), e lá o cara fazia recarga. Ram interagiu com o vendedor sem que eu entendesse uma palavra, e daí me falou o valor, que também não entendi quanto seria. Mostrei o dinheiro a ele e ele pegou a quantia necessária. Ao todo o chip pré-pago com direito a 300 minutos e pacote de dados ilimitado saiu pela incrível quantia de Rs 520, equivalente a R$ 21,00. As operadoras no Brasil nos exploram descaradamente.
A segunda missão foi comprar roupas, já que minha mala ainda não havia aparecido e a muda de roupa que havia levado já estava bem suada. Entrei numa loja da Lee, já que não era o momento de ficar procurando muito algo indiano que agradasse. Escolhi três camisas de botão bonitas (quadriculadas estão na moda aqui e ainda vão me servir pro São João) e uma calça jeans, e Ram aproveitou o brinde a ele concedido, por ser motorista de turismo e ter me levado na loja, e levou uma camisa pra ele também. Esta compra saiu muito caro, pois é marca importada, custou a extravagância de Rs 5.700, ou R$ 220,00, menos de metade do que seria no Brasil.


Álcool
Depois Ram me perguntou se eu bebia álcool, falei que sim e ele disse que gostava de vinho, e que na Índia tem bons vinhos, ainda que um pouco diferentes (imaginei). Percebi que ele gostava da cachacinha mas por questões culturais não podia revelar o quanto, falei que gostava de vinho, cerveja e wisky, e daí ele me levou numa casa de bebidas para comprarmos algo, pois em outros lugares não acharíamos.
Já tinha lido que o consumo de bebidas alcoólicas é restrito na Índia. A maior parte dos restaurantes hindus não vendem, em algumas cidades chega a ser proibido o comércio de álcool, especialmente destilados. Parece que só recentemente que o consumo passou a ser liberado de forma moderada, e começou-se também a produzir destilados nacionais. Tudo por conta da religião hindu, que considera a bebida alcoólica como danosa pro corpo e espírito. De forma que as lojas de bebidas aqui parecem com uma distribuidora de bebidas do Brasil, mas sem as caixas de cerveja, somente os litros de destilados.
Ram pediu uma garrafa lá de uma marca local mas expliquei a ele que só bebo scoth, de preferência Jonny Walker Red Label (depois de muitos porres na vida a gente aprende a dar valor à marca boa), o rapaz respondeu que não tinha, perguntei então por Chivas, ele tinha 12 anos a Rs 3.000, fiz as contas, 120 reais, um pouco mais caro do que no Brasil, vai este mesmo. Ram ficou abismado, uma garrafa de bebida que custa 3.000 rúpias é algo que ele nunca imaginou tocar na boca. Saiu andando com a garrafa na mão falando que carregava uma bebida que valia o salário dele de um mês. Não quis comentar que já paguei 3 vezes aquele valor numa garrafa que tomei em uma sentada. Já estava me sentindo pra lá de burguês ostentador, e me envergonhei de não ter comprado uma marca local.
À noite Lokesh apareceu e fomos jantar. Ele não entendeu nada quando apareci com a garrafa de wisky, ele falou que não bebia e percebi que Ram não quis se expor, daí eu falei que gostava, e ele então se prontificou a me levar em um lugar onde deixavam você entrar com sua garrafa para comer e beber lá dentro.
No caminho falei que eu ainda precisava comprar um notebook. O que?! Alex viajou sem levar o notebook?!?! Isto mesmo. Vi que os preços aqui eram bem mais baratos que no Brasil, por conta dos impostos menores e proximidade com a China, e daí resolvi deixar pra comprar um novo pra mim aqui. Movi todos meu arquivos para a internet, fiz backup em pen-drive, e viajei tranquilo. Cada vez mais minha vida está on-line e menos dependente de qualquer máquina em particular.
As lojas dos shoppings já estavam fechadas as 21h. É uma cidade grande mas com baixo poder aquisitivo, além de ter uma cultura pouco consumista e muito caseira. Levará um bom tempo ainda até que o capitalismo consumista domine por aqui.
Fomos a um restaurante indiano típico, a pedido meu, chamado Machan. Espaço a céu aberto, uma bandinha tocando musica indiana no fundo, um espaço reservado só para casais, e comida típica indiana. Praticamente não havia mulheres no local, e o espaço para casais tinha somente um ou dois casais de namorados. Lokesh me explicou que as mulheres indianas ficam em casa em geral, e saem só com os maridos, além de não existir este costume nosso de sair pra jantar ou se divertir. A vida das pessoas é centrada muito na família.
Pedimos copos ao garçon e abrimos o wisky. Começamos a tomar eu, puro como sempre, e Ram, misturado com gelo e água pois é muito forte pra ele, Lokesh não é de bebida e ficou na água. Como disse, a cultura hindu reprime o consumo de álcool e outras drogas, e além de sugerir o vegetarianismo reprime o consumo de cebola e alho, pois são comidas que esquentam o sangue (estimulantes). Ele e Ram são vegetarianos.
Lokesh acendeu um cigarro e começou a explicar que toda cultura indiana é centrada na família. Ele mora com os pais, e assim são a maioria das casas. Quando Mayank se casar a esposa dele irá morar com ele na casa dos pais dele. Ele demonstrou achar estranho eu morar sozinho, e quando contei que já casei e separei 3 vezes ele argumentou que este hábito de morar todos juntos na mesma família ajuda muito ao casal superar as dificuldades e diferenças, pois se ele ou a esposa começarem a ter problemas os pais irão conversar com cada um, ouvir, orientar e apoiar no que for necessário para que o casal supere as crises e continuem juntos.
Achei a imagem bem bonita, especialmente quando vemos no mundo moderno os casais cada vez se separando mais, e muitas pessoas ficando sozinhas porque não conseguem achar (leia-se decidir por) alguém com quem possam viver juntos, pois com os mínimos problemas que ocorrem já veem como solução mais simples a separação. Mas comentei com ele que no Brasil isto seria bem difícil, pois por um lado a mulher e a sogra costumam muito entrar em conflito brigando pela atenção/controle do homem, e por outro os pais frequentemente entram em conflito com os avós discordando severamente sobre a criação das crianças –o que para mim significa que ele discordam da própria criação que tiveram. Concluí que só com um aparato cultural e religião fortes é que se torna possível viver assim em comunidade, e que no Brasil as pessoas estão longe de ter esta maturidade.

Primeira Refeição
Daí chegou a comida tipicamente indiana, e Lokesh começou a me explicar o que eram as coisas, e me mostrar como se comia. Desde já adianto que a comida indiana é fundamentalmente apimentada, com muita pimenta do reino especialmente, e alguns outros vários condimentos. Pedi a ele que demandasse somente comida vegetariana, eu não sou de comer vegetais, nem gosto, mas vim aqui pra conhecer, e o desejo de conhecimento é mais forte do que os hábitos. Inicialmente veio uma espécie de tofú com tempero, que pegávamos com palitos. Depois veio pratos mais típicos, do pão deles, semelhante ao árabe, mas mais fino e gorduroso, com mais algumas tigelas com molhos. Até o fim da viagem conseguirei decorar os nomes. Come-se de mão, somente com a mão direita, pode-se usar a esquerda para ajudar a partir o pão ou pegar um copo, mas observei que eles usam somente a direita e deixam a mão esquerda sem função alguma. A gente inevitavelmente suja os dedos, e em todo lugar existe uma pia por perto para lavar as mãos. Na verdade a regra é que a mão esquerda é a utilizada para toilete, e portanto é impura, e acho que sabão não é lá muito utilizado por aqui, pois só vi nos hotéis. Daí a questão da toilete com a esquerda fazer sentido. Vou ver se consigo usar a mão esquerda da próxima vez que for ao banheiro, mas com papel, é claro.
Neste ponto me ocorreu que eu venho tomando consciência do meu vício em álcool, café e gordura animal, a ponto de não passar um dia sequer sem consumir, e daí me ocorreu que eu poderia aproveitar este período para experimentar os efeitos da abstinência, e daí saber a dimensão do meu vício. Decidi e falei pra Lokesh que passarei todos esses dias aqui me alimentando somente de comida vegetariana e sem beber álcool e café. Ele e Ram acharam estranho e não entenderam bem porque, mas falaram que esperam poder tomarmos umas cachacinhas quando formos sair pras festas em Jaipur, cidade onde eles moram.
Neste ponto Lokesh falou que ele tinha uma teoria sobre o problema dos relacionamentos no mundo ocidental. Na opinião dele a culpa maior é do álcool pois quando os homens bebem eles tendem a falar as coisas sem pensar, no calor do momento, e isto seria a maior causa das separações.
Eu até concordo que o álcool é uma droga que abala sim relacionamentos em vários aspectos, mas respondi a ele que na minha visão este não era o maior problema, mas sim o individualismo exacerbado da cultura ocidental. Do lado de lá do mundo a cultura do capitalismo e individualismo estimula as pessoas a serem totalmente independentes e auto-suficientes. As pessoas trabalham, investem muito em sua carreira profissional, ganham bastante dinheiro e podem fazer ou comprar o que desejarem. Associado a isto surge a ilusão de que somos todos poderosos, auto-suficientes, sem depender de ninguém pra viver ou ser feliz, e daí não aceitamos nunca abrir mão dos nossos ideais e objetivos, do nosso modo de vida, para deixar que o outro participe ou participar do mundo do outro, e com isto vamos nos tornando cada vez mais solitários, um fenômeno que cresce a cada dia no mundo ocidental, especialmente na Europa, e grandes cidades da América. Ele concordou comigo no raciocínio, mas não sei se ele tem a real medida de como o ocidental se sente auto-suficiente.
Depois fomos para a pousada. Estava bem cansado com o dia, e dormi rápido, mas acabei acordando no meio da noite. É, o jet-lag é complicado mesmo. Fiquei impressionado como o corpo é sincronizado com o ciclo diário. Para muitas pessoas isto é óbvio, pois possuem um ciclo totalmente regular, mas eu não, sou irregular por natureza, sem hora pra dormir, acordar, comer, etc. Porém, estou vendo que não sou tão irregular assim como pensava.

3 comentários:

  1. Dei boas risadas acompanhando seus relatos hoje pela manhã! :D Abraço.

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  2. É... Acho que vou arrumar um indiano pra casar (morando no Brasil, claro!)! hahahahahahah
    :-)*

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  3. Uai, comi muito "de mão" na bahia quando criancinha, ou melhor, até uns 6 anos de idade, porq criancinha ainda sou..rs.. aqueles bolinhos de comida, tudo misturado, que as moças que trabalhavam em nossas casas preparavam.. até hoje sonho com isso...amo!

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