quarta-feira, 26 de maio de 2010

25 de maio - Adeus Índia

Pois é gente, já passou da hora de voltar pra casa. A primeira coisa que fiz foi ir à loja da Lufthansa no aeroporto para tentar trocar a passagem. Tinha desdobrado a passagem de volta para passar 4 dias conhecendo Munique, mas além de ter achado Munique sem graça eu também já estourei meu orçamento e qualquer coisa na Europa é muito caro.
O atendente da Lufthansa me deu a má notícia de que não havia mais vaga no voo de Munique pra São Paulo no dia seguinte, mas disse que eu poderia pegar o voo à noite para Frankfurt e de lá direto pra São Paulo. Ótimo, muito melhor, não precisaria dormir de novo naquela pousada, sem internet, e ainda conheceria Frankfurt na passagem. Mudei na hora.
Lokesh chegou em Gurgaon e nos encontramos no final da tarde. Ficou surpreso com a ida repentina, mas entendeu a minha ansiedade. Saímos para beber a velha cerveja enquanto esperávamos a hora do voo. Ele saiu procurando um bar/restaurante movimentado, que tivesse mulheres pra ver, para me levar, mas não encontramos nada animado. Fomos em um que era meio bar, meio boite, e ficamos lá bebendo cerveja. Tinha só uma menina bem metralhada dançando sozinha na pista e olhando para os homens, achei com cara de profissional, mas Lokesh disse que deveria ser contratada do local para poder animar o povo a dançar. Ah se eles tivessem sido colonizados pelos portugueses ao invés dos ingleses...
Na viagem tive que fazer umas ginásticas com as bagagens, pois a mala estava com 40Kg e o limite máximo por volume era 32Kg. Depois disso embarquei e dormi a maior parte da viagem.
A única coisa bem desagradável da viagem foi que chegando em Frankfurt comecei a sentir cólicas. Oh não, aquele frango que comi no almoço com Ram naquele lugar meia boca devia estar passado. Tentei segurar o máximo que pude, pois o avião já estava no processo de pouso com os avisos de apertar cintos ligados. Mas nessas horas Murphy sempre atua pra nos facilitar a vida, e o aeroporto estava congestionado, de modo que teríamos que esperar uns 10 minutos para poder pousar. Eu tentei, tentei, suei frio, fiquei pálido, mas não dava mais pra segurar. Virei pra senhora indiana que estava ao lado tentando falar que eu estava doente, precisava levantar, me desculpe, mas ela não falou nada, apenas puxou as pernas pro lado, e assim também fez o senhor que estava na poltrona do corredor. Ok, esse povo da Índia acha normal a gente andar se esbarrando nos outros, mas eu não consigo sair de uma poltrona na janela com as outras pessoas sentadas, é muita proximidade pra mim. Me apoiei nas cadeiras e pulei por cima dos dois pro corredor, temendo que o esforço pudesse causar alguma catástrofe. Corri pro banheiro, a aeromoça falou que eu não podia levantar, falei pra ela que estava muito sick, sorry, sorry, e me meti no banheiro ouvindo ela falar que eu fazia aquilo por meu próprio risco. Ora pois, risco altíssimo seria não fazer aquilo, o povo iria querer pular pela janela do avião.
Pousei em Frankfurt dentro do banheiro, tudo tremendo ao redor, eu me segurando nas paredes, e o suor frio descendo pelo rosto e encharcando minha camisa. Dei descarga e lá se foi a lembrança da Índia.
Não preciso falar mais sobre a organização dos alemães. Vou contar somente que é um brutal choque de realidades. Enquanto na Índia enfrentava calor de 45 graus, um bilhão de pessoas vivendo na craude, poluição total, barulho infernal, trânsito caótico, e pobreza, em Frankfurt fazia 16 graus, poucas pessoas pelas ruas, silêncio total, e hiper-organização em tudo. É, vou pensar sobre o assunto alguns anos, até poder compreender um pouco sobre a Índia.
Já Frankfurt não tem muito o que se conhecer. Andei pela cidade antiga, tirei fotos, vi o Rio Main, e fiz algumas compras. Não sei se por ato costumeiro, ou porque raios, no almoço pedi uma salsicha com curry, e lá veio aquela salsicha com o tempero tipicamente indiano. Talvez uma forma intermediária de voltar ao mundo de antes.
Agora estou aqui aguardando o voo pra Guarulhos, e logo na sequência parto pra Salvador, para matar as saudades de Pedrinho. Tomara que dê tudo certo, sem episódios intestinais desta vez.

23 e 24 de maio - Agra e Taj Mahal

Após ter acontecido o casamento de Mayank fiquei com a sensação de missão cumprida, e bateu uma enorme vontade de voltar para casa. Sim, o casamento foi a principal justificativa para esta viagem, e depois de passar tanto tempo longe do trabalho e da rotina eu já estava bastante incomodado. Além disso já eram 9 dias em uma única cidade, e descobri também que me atrapalhei e trouxe uma dose inferior do meu remedinho da tireóide, o que invariavelmente me deixa extremamente sem paciência. (hummm entendi algumas coisas...)
Neste domingo não iria ter mais nenhum evento formal, apenas haveria um evento para os amigos, Lokesh me comentou que os amigos mais próximos iriam à casa de Mayank para enfeitar o quarto dele para a noite de núpcias, pois é, a galera tem que descansar um dia após a festa do casamento pra poder ter uma noite de núpcias decente.
O plano tinha sido ficar este domingo em Jaipur, partir pra conhecer Agra na segunda, e na terça ir pra Delhi, para pegar o voo quarta de manhã. Contudo eu já não queria mais ficar parado de jeito nenhum, e a vontade de me mover estava incontível. Então decidi que iria no domingo mesmo pra Agra, e na segunda pra Delhi, e assim já estaria mais perto de casa. Lokesh ficou um pouco desapontado, mas expliquei a ele que já estava muitos dias longe de casa, estava ansioso por partir.
Usei todas minhas habilidades de montar quebra-cabeças e consegui empacotar tudo na mala, ficando apenas com uma mochila e uma maleta de notebook pra carregar na mão. Então chamai Ram e pegamos a estrada.
As rodovias que saem de Jaipur são bem melhores do que aquelas que pegamos pro norte. Todas duplicadas e sem aquela craude no meio da pista, de modo que conseguimos manter uma velocidade média de 70Km por hora.
Chegamos em Agra à noite, e para minha surpresa era uma cidade bem mais pobre e caótica do que as que tinha conhecido até então. Achei curioso, pois em Agra é que fica o Taj Mahal, uma das sete maravilhas do mundo, e é muito visitada por turistas. Ram me explicou que deve ser questões políticas divergentes entre o estado e a união. Típico.
No hotel percebi um astral diferente em tudo. Primeiro, havia uma cerimônia de casamento acontecendo, mas uma ligeira diferença no formato, e na festa tocava música ocidental, inclusive eletrônica. As pessoas também não se vestiam de forma tão tradicional como em Jaipur. Percebi que era um local mais ocidentalizado.
No jantar decidi que iria quebrar o regime vegetariano e conhecer o tempero usado para carnes. Pedi carneiro com arroz, estava razoável, mas aquela quantidade de molho picante que não sei pra que tanto.
No dia seguinte Ram arrumou um guia e lá fomos conhecer o Taj Mahal. Para os que não conhecem os detalhes aquela coisa gigantesca toda em mármore branco é um mausoléu que o imperador construiu para sua ultra-amada esposa. Uma história linda e romântica, mas a verdade é que o cara gastou tanto dinheiro com o túmulo da esposa que acabou deixando um império falido pro filho. Aliás, já ouvi várias histórias de homens que quebraram por causa de mulher. Eita galerinha cara!
Tirei várias fotos sem muito ânimo, pois o sol estava escaldante. Visitamos também o Agra Fort, que atualmente é ocupado quase completamente pelo exército. No meio da visita pedi ao guia que fôssemos embora, pois já estava me sentindo mal com tanto calor.
Na sequência de visitas a um monumento histórico com um guia o que invariavelmente acontece? Eles nos levam pra uma loja de artesanatos para comprarmos, e assim eles ganham comissões. Neste caso era uma fabrica de peças em mármore branco com pedras semi-preciosas incrustradas formando figuras no mesmo padrão do Taj Mahal. E eu que fico fascinado com essas coisas minuciosamente bem trabalhadas acabei não resistindo e comprando um jogo de xadrez em pedra pra mim. Não consegui resistir, era muito lindo e eu fiquei imaginando que nunca mais voltaria ali, mas a verdade é que já estourei meu orçamento e não sei como vou fazer pra pagar tudo. Aqui vai uma dica para os que gostam de comprar e pensam em vir conhecer a Índia, nunca tragam cartões de crédito com limite alto, pois as coisas são muito lindas e baratas, e não dá pra resistir.
No final das contas acho que vou desistir da idéia de dar presentes para as pessoas. Melhor será abrir uma loja de artigos indianos e ver se assim consigo reduzir o prejuízo.
Por volta das 15h pegamos a estrada para Delhi, e mais 5 horas de viagem. Ram quis evitar o último trecho da auto-estrada e pegou uma menor que iria direto pra Gurgaon, nosso destino. Quando estávamos a 25Km de chegar em Gurgaon, passando por uma pequena cidade, o trânsito simplesmente parou. Olhei no mapa (sim, o google maps no celular tem nos salvado várias vezes) e estávamos a 50 metros de uma rotatória, lá deveria estar o problema. A gente foi seguindo a 100 metros por hora, e então resolvi descer pra ir ver o que estava acontecendo. Sabem qual era o motivo do trânsito ter parado?
Nenhum!
Elogiei há alguns dias atrás o fato da galera andar devagar e dar passagem de forma que o trânsito era lento mas andava, mas nos últimos dias acabei revendo minha posição. Ninguém respeita absolutamente nenhuma regra de trânsito! Ninguém respeita nenhum semáforo, ninguém sabe o significado da palavra via, e vi algumas vezes carros andando na contra-mão na auto-estrada, incluindo um ônibus!!!
A rotatória à frente havia travado por causa do grande fluxo, e porque quando a via está engarrafada a galera simplesmente joga o carro pra contra-mão pra tentar andar, ninguém tem paciência de ficar esperando. É mais do que óbvio que se você jogar seu carro na contra-mão na entrada de uma rotatória ela irá travar, mas ninguém estava nem aí. Tinha um policial tentando organizar o negócio, mas você acha que alguém fazia o que ele pedia? Ninguém tava nem aí pro policial, e Ram me comentou que quando um policial te pega fazendo algo de errado você dá 10 ou 20 rúpias que ele te libera. É tudo muito sem noção!
Conseguimos passar e pegar novamente a estrada, e logo chegamos em Gurgaon. Como não conseguimos achar um hotel decente acabei ficando na mesma guest-house do início, aquela bem desconfortável, mas agora, depois de tantos dias na Índia, o lugar me pareceu bem mais razoável.
Tomei um banho e saímos pra jantar. Não queria mais saber de comer a comida típica, nada mais de chapati com molho, queria algo gostoso e mais ocidental pro meu paladar. Peguei algumas sugestões no google e depois de muito procurar achamos um que se chamava Bernardo's Goan Cuisine. O nome soou atrativo pra mim, mas não pensei na hora. Entramos no restaurante, era bem pequenininho, no meio de um centro comercial, mas o ambiente estava apresentável, e a indicação falava que a comida era muito boa. Quando abri o cardápio e comecei a ler achei estranho, continuei lendo e percebi que o cardápio estava em ... português (!?!?!?).
Daí que liguei as coisas, era comida típica de Goa, a cidade que foi colonizada por portugueses, é tida como uma Miami da Índia, pois é o único lugar onde as mulheres usam bikini e existem praias de nudismo, bebida é à vontade, e onde nasceram as raves e o trance. As pessoas até falam que Goa não é Índia, é só um território anexado. Pois é gente, nunca tinha parado pra pensar, este oba-oba que é o Brasil é pura herança portuguesa.
Me senti em casa, peixe com molho, galinha cozida com leite de côco, sarapatel (!!!), pão de acompanhamento. Ah! Que alívio.
Só Ram que não gostou, pediu uma coisa lá vegetariana com arroz mas saiu procurando um lugar pra comer, falando que quando ele não come chapati é como se não tivesse jantado. Que nem meu pai com o feijão dele, roceiro é tudo igual, só gosta de comer a mesma coisa todo dia.

22 de maio - Casamento de Mayank

A programação de atividades para todo o sábado era de acompanhar o casamento de Mayank, pois este era o dia dos principais eventos.
Não consegui acordar muito cedo por conta de ter ficado no computador escrevendo e ter ido dormir bem tarde, de forma que acabei perdendo a primeira cerimônia do dia. Mayank me explicou que ele ficava só de shorts e então vários familiares, pai, mãe, irmão, tios e tias, passavam óleos e bálsamos nele, e depois davam um banho de leite, um tipo de ritual para purificar o corpo e a alma. Ele ficou de me mandar algumas fotos para eu postar no blog.
Depois disto começava o bahat. Na lagwana do dia 20 vinham os parentes da noiva para dar a ele presentes, sendo que os parentes dele iam presentear a noiva, no bahat era a vez dos parentes dele virem dar presentes a ele. Havia uma grande quantidade de pessoas, e Mayank comentou que várias delas ele não conhecia, eram parentes da mãe e pai dele que tinham vindo de outras cidades e que ele nunca tinha encontrado antes. Muitos eram por parte do tio-avô dele, que tinha tido um sem número de filhos.
Todos demonstravam muita alegria e felicidade, cantavam e dançavam, e teve também uma sessão de bençãos onde se pinta aquele sinal no meio da testa.
Após esta parte saí com Lokesh para comprar um presente, pois até agora não tinha ideia do que iria  dar de presente e Mayank não tinha me dito do que estava precisando. Vi que muitos familiares davam dinheiro, mas achei muito impessoal, então Lokesh falou que ouro é muito auspicioso, e lá fomos comprar um bracelete de ouro.
Jaipur é famosa pela produção de jóias, e existem várias joalherias pela cidade. Fomos em uma específica para ouro, pois muitas só trabalham com pedras, e escolhemos um belo bracelete para ele.
Depois fomos a uma loja comprar uma roupa típica para eu ir ao casamento. Esqueci o nome da peça, mas é uma grande bata com o colarinho enfeitado. Preferi uma branca, leve, por conta do calor, e Lokesh tinha uma idêntica, de forma que fomos que nem time de futebol.
É claro que antes de irmos para festa Lokesh e Buphendra precisavam passar em um bar para tomarem cerveja, já que na festa não poderiam beber nada, e queriam dançar muito. Os bares aqui, além de só terem homens, são fechados e escuros, meio como um pub, mas sem nenhuma decoração particular, e sempre uma TV ligada passando canais abertos. Meio como um lugar onde o povo vai somente pra consumir álcool.
Chegando na festa trocamos de roupa e fomos acompanhar o barat. Inicialmente acontecia uma parte onde Mayank ficava sentado recebendo vários presentes, e depois uma espécie de parada sobre um cavalo. Vi várias dessas paradas pela cidade, o noivo, todo paramentado, sobre um cavalo também bastante enfeitado com peças brilhantes, desfila durante cerca de 2 horas acompanhado por uma banda e um conjunto de pessoas segurando lustres, ligados por fios, que funciona como uma espécie de corda de bloco com todos os convidados dentro dançando ao som da banda.
Mayank, todo paramentado e sério apenas observava as pessoas se divertindo. Curioso, só os amigos do noivo é que se divertem, enquanto o noivo só sofre embaixo de uma pesada roupa.
A dança era bem no estilo folclórico, sem nenhuma sofisticação. Os homens dançavam uns com os outros, e as mulheres idem, de modo que eram grupos separados, só eventualmente que um homem já mais velho dançava com sua esposa ou filhas. Não me sinto à vontade de dançar com homens, mas diante de muita insistência ensaiei alguns passos me sentindo bastante sem jeito, especialmente quando um dos conhecidos, como Lokesh ou outros, ficava dançando pra mim rebolando com o dedinho no canto da boca. Melhor não comentar.
Eventualmente algum homem tirava uma cédula de dinheiro do bolso e ficava balançando no alto circulando sobre as cabeças dos demais, e logo vinha alguém da banda e pegava o dinheiro. Dentro do ritual aquilo era como abençoar os outros, e para a banda era uma gorda gorjeta.
Depois de darmos uma volta no quarteirão voltamos ao espaço da festa. Acho que não tinha comentado, mas estes rituais maiores não foram na casa de Mayank, mas sim em um espaço próprio para casamentos, que tem inclusive duas alas de quartos para as famílias do noivo e da noiva, para alojamento durante os dias da festa. O local era gramado e muito bem decorado, com um grande palco em um dos lados onde ficavam dois tronos para os noivos, e várias bancas com pessoas preparando e servindo comida. No final desta festa houve um jantar para os mais próximos da família, sentei à mesa em consideração, mas não consegui comer mais nada de tão cheio que já estava.
Quando eu pensei que já tinha acabado fui surpreendido com a notícia que era naquele momento que iria começar o casamento propriamente dito. Era a cerimônia formal de casamento, onde eram feitos os votos e o casamento consumado por monges.
Havia dois monges hindus, num pequeno espaço, e ali sentavam também Mayank com a noiva, e os pais da noiva. Os pais de Mayank somente assistiam e Lokesh me comentou que a simbologia era que os pais da noiva estavam ali entregando a filha para Mayank, e portanto eles é que tinham papel ativo na cerimônia.
Não entendia exatamente o que estava sendo feito, mas os monges cantavam uma ladainha constantemente enquanto iam eles e os outros jogando pétalas de flores e outras coisas num montinho de terra decorado que havia no centro.
Lokesh falou que depois, por volta das 3h da manhã, ia começar a cerimônia do fogo, onde seriam acesos 7 círculos de fogo. Não consegui ficar pra ver esta parte, já estava pra lá de cansado. Depois peço as fotos pra Mayank para matar a curiosidade.

domingo, 23 de maio de 2010

21 de maio - Amber Fort e Chokhi Dhani

Acordei cedo para irmos conhecer o Amber Fort, pois tinha o interesse de subir a colina de elefante, e como o calor está muito forte isto só pode acontecer de manhã cedo.
O forte é uma enorme construção na colina e era o palácio dos primeiros 3 marajás, e ao lado fica a antiga cidade de Amer, onde residiam os artesãos do reino. A construção no alto facilitava a defesa contra invasões. Depois que foi construído o palácio e a cidade de Jaipur, na planícies entre largos morros.
Havia um grupo de espanhóis visitando o local e a subida estava bastante cheia. Uma grande quantidade de vendedores ambulantes ofereciam insistentemente souvenires a preços bem inflacionados. Como eu tenho cara de indiano ele não me amolavam tanto, e Ram sempre interferia falando em hindi quando um ou outro começava a chatear. Os espanhóis não tinham tanta sorte.
Para montar no elefante havia uma plataforma elevada, visto que o berço onde a gente viaja em cima do elefante fica a mais de 2 metros de altura. O elefante se aproxima e a gente entra no pequeno berço, com uma ou duas pessoas, para subir a colina. Como Ram é bem descolado ele conseguiu que eu fosse sozinho no berço, especialmente porque à minha frente tinha uma senhora espanhola do tipo bem extravagante, super assediada pelos ambulantes, e eu não queria ir com ele de jeito nenhum.
Andar de elefante não é lá confortável, o berço balança bastante de um lado pro outro, mas é uma experiência fantástica estar a 2,5 metros de altura em cima de um animal gigante.
Chegando ao forte Ram me indicou um guia, que se mostrou muito gente boa e falou várias coisas interessantes sobre o forte. São 3 palácios juntos, cada um morada de um marajá. O primeiro, mais antigo, tinha 12 esposas, e 36 concubinas. O segundo, o mais decorado, tinha 2 esposas e umas 11 concubinas, e o terceiro, o mais moderno, tinha 8 esposas e umas 20 concubinas. Fiquei invejando muito aqueles marajás, mas observei que o palácio mais rico em detalhes era o segundo, que tinha menos mulheres, e daí fiquei pensando que ou o cara era meio viado ou então a grande verdade é que se você tem muitas mulheres então não vai sobrar dinheiro nenhum pra gastar com suas propriedades.
Deixarei as fotos falarem do palácio por mim, só vou acrescentar que havia apenas um templo no palácio, dedicado a Kali, ela é esposa de Shiva, deus da construção e destruição, e é uma deusa associada a guerra e morte, trajando um enorme colar feito de cabeças de homens. Achei muito curioso a guerra ser associada a uma deusa feminina, e não a um masculino, como o Marte romano. Material bom para minhas reflexões lisérgicas.
De lá o guia me levou no conjunto de lojas para turistas da cidade de Amer, comentando que lá é que existem os melhores artesãos da região, muito tradicionais, e os melhores tapetes da Índia, com a vantagem de serem muito mais baratos do que Jaipur, pois não tem impostos para produção de artesanato manual lá. Bem, vou só comentar que o vendedor era tão bom, e a qualidade do tapete me impressionou tanto, que não consegui resistir e comprei um. Não sei onde vou usar, já que nem casa tenho, mas sei que é daqueles que duram 50 anos tranquilamente.
À noite Lokesh e Bhupendra me levaram para conhecer a cidade histórica de Chokhi Dhani, quer dizer, eu achava que era uma cidade histórica, mas chegando lá vi que era mais um parque temático, construído para turismo mostrando os antigos ambientes e tradições do Rajastão, incluindo as comidas típicas. O ambiente era muito bem cuidado, com muitos turistas da região mesmo, e várias atividades pra família. Aproveitei para dar uma volta de camelo e tirar várias fotos.
Uma coisa quero registrar aqui sobre Lokesh e Bhupendra, todas as vezes que vamos sair pra qualquer lugar a primeira coisa a fazer é ir a um bar tomar cerveja. Todas as vezes eles vão antes para um bar beber, e depois que vão para o lugar em questão, já que só os bares é que vendem regularmente cerveja, alguns restaurantes vendem, mas a maioria não, e nenhum evento ou festa permite que se beba nada alcoólico. Que diferença pra nossa cultura alcoólatra!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

20 de maio - Palácio do Marajá e Lagwana

Saí por volta da 1h da tarde para ir visitar o Palácio do Marajá, no centro de Jaipur. Passamos pelas principais e mais antigas ruas do comércio do centro e pode notar todos os prédios pintados de um rosa avermelhado, e daí o nome da cidade Pink City.
No palácio vive o atual marajá, que embora não tenha mais poder político, nem título de nobreza, preserva ainda muito de sua riqueza e importância na vida social da cidade. Quer dizer, li uma história contando que os marajás tiveram um longo período de vida nabanesca, e daí, quando perderam seus títulos, acabaram ficando sem dinheiro para sustentar seu modo de vida. Outra pessoa falou que as taxas de comércio em Jaipur são de 30%, e esses impostos são para sustentar o marajá. Não sei se isto é exatamente verdade, mas a verdade é que o marajá construiu um museu numa das partes do seu palácio e abriu para visitação pública paga. Como Jaipur é uma cidade muito voltada para o turismo, esta com certeza foi uma boa estratégia. Tirei várias fotos do palácio, especialmente dos detalhes finamente trabalhados dos mármores e madeiras.
Numa sessão interna haviam dois gigantescos jarros de prata, tidos como os maiores objetos de prata do mundo. A gravação dizia que o marajá n.X mandou construir aqueles vasos porque ele era muito religioso, e queria sempre ter a água do sagrado Ganges para levar com ele, e por isto aqueles imensos jarros. Mas Lokesh e Bhupendra (que inclusive é da casta Rajput, dos antigos guerreiros e reis) falaram que aquele lá adorava era álcool mesmo, e aqueles jarros eram pra vinho. Achei mais provável. Todas as histórias que ouvi sobre os marajás são de vida nabanesca e muito sexo.
O calor estava insuportável, por volta dos 43 graus e muito seco. O ar seco daqui tem a vantagem de que pouco se sua, pra não falar que minha alergia praticamente sumiu, porém desidrata muito, e como não tenho muito costume de beber água, acabo sentindo às vezes uma leve dor de cabeça.
E por falar em água, é um costume muito presente aqui em todos os bares e restaurantes que chegamos os garçons trazerem água e colocar no copo, e durante o almoço sempre vai enchendo o copo de água. Vi também umas pequenas cabanas de palha na rua e me disseram que era para servir água para as pessoas que tivessem sede, e que era trabalho voluntário, caridade, e com certeza com algum cunho religioso. De modo que é perceptível que os hindus possuem uma forte relação com a água.
Ao sair do palácio Ram me indicou visitar o espaço que havia ao lado, o Jantar Mantar. É um grande espaço com vários instrumentos para observação astrológica/astronômica. Quando foi construído era o maior e mais completo do mundo. Comecei a andar por ali com o sol castigando na cabeça, comecei a me sentir mal, e saí tirando fotos a ermo e andando pra ir logo embora. Tomei água e suco e fui pro hotel descansar, não estou preparado para passar tanto tempo exposto neste clima desértico.
Dormi um pouco no hotel e por volta das 5h Lokesh apareceu para irmos para o Lagwana de Mayank. Ele queria me levar em outro lagwana, de um amigo próximo dele, que seria maior do que o de Mayank e em um lugar público, já que o de Mayank era em sua casa. Argumentei que tinha vindo aqui para o casamento de Mayank, que seria interessante conhecer outro, mas queria prestigiar o dele. Ele falou que naquele momento estava muito quente e que seria melhor aguardarmos um pouco pois a função (como eles chamam) seria um mais tarde, e pediu cervejas para tomarmos.
Ficamos tomando cerveja enquanto esperávamos a hora e daí ele falou que o evento de Mayank já tinha terminado. Não entendi bem, meu inglês falha várias vezes, mas fiquei observando. Quando saímos para passar na casa de Mayank já eram mais de 6h, e o sol já havia se posto. Lá chegando encontramos com Mayank em sua casa cheia de gente.
Mayank então reclamou que tínhamos chegado muito tarde, e que já tinha acabado, e pediu para subirmos para o terraço pois estávamos cheirando a cerveja, e ninguém poderia perceber que estávamos bebendo antes de uma cerimônia religiosa. Percebi então o que tinha acontecido e dedurei logo o bandido. "Foi ele, falou que era pra gente esperar no hotel porque o sol estava muito quente, e ficamos lá sem fazer nada, eu pronto ansioso por vir logo pra ver sua cerimônia, achando que ainda iria começar". Mayank ficou bem chateado e Lokesh meio envergonhado diante de minha atitude.
A festa de Mayank estava meio parada, em parte porque o principal já tinha acabado, e em parte porque tinha faltado energia (diariamente falta energia várias vezes no verão), e o pessoal estava somente esperando para o jantar. Tirei algumas fotos de Mayank, que estava com as mãos pintadas de hena, ficamos um pouco por ali, e saímos para a outra festa.
No carro Lokesh me pediu desculpas e ficou se justificando que ele tinha planejado me levar para a outra festa, que era em um lugar grande, com muitas pessoas, e que eu iria gostar, e que a festa de Mayank era muito pequena, em sua casa. Agradeci a preocupação dele, mas falei que era importante pra mim estar no casamento de Mayank, e que da próxima vez não viria mais com ele, viria sozinho, para garantir que não haveria contratempos.
Quando chegamos na outra festa entendi a preocupação de Lokesh. Era um espaço público para casamentos  super bem decorado e com total infra-estrutura. Tudo era muito colorido e bonito, havia um grande palco com uma banda e dançarinos, e uma grande área atrás com vários pontos onde se preparava as comidas na hora. Logo que chegamos encontramos com um amigo de Lokesh e Bhupendra, que eles comentaram ser da política local, muito importante, e que vestia aquela longa bata branca por ser o traje dos políticos.
Não sou capaz de lembrar o nome do político, mas ele me pegou pelo braço e saiu me mostrando toda a festa. Subimos no palco, ele me apresentou ao músico e falou que eu era do Brasil, daí fomos cumprimentar os noivos, que estavam belamente vestidos sentados em dois tronos e daí, quando estava tirando fotos com os noivos, comecei a ouvir a banda tocar Jingle-Bell (???). Olhei meio curioso para a banda e Bhupendra falou que eles estavam tocando aquilo para mim. Preferi não comentar, e agradeci ao músico.
Daí fomos andando pela parte das comidas e vi o pessoal preparando o chapati, a massa era cortada como um pão de hamburguer e daí o padeiro espalhava a mesma nas paredes de um grande pote aquecido por baixo. A massa assava na parede do pote, e daí ele retirava e servia.
Já o dal, um molho comum por aqui, era uma grande frigideira onde o cozinheiro ia jogando vários temperos, conhecidos da gente como cebola, tomate, pimentões, e daí cúrcuma e muita pimenta, depois jogava um caldo de ervilhas com alguns caroços inteiros e estava pronto.
Mais adiante tinha uns pastéis pequenos que o garçon pegava com a mão, abria um buraco com o dedão, e colocava um caldo que parecia conter gengibre dentro.
Por fim havia um que rodava um pedaço de gelo em uma máquina manual e colhia as raspas, daí outro prensava com os dedos as raspas em um copinho e enfiava um palito, em seguida ele desenformava o picolé instantâneo e molhava em duas caldas coloridas, uma vermelha e uma amarela, uma de cada lado do picolé, e nos dava em cima de um pratinho de papelão para ficarmos sugando o caldo gelado. Não pude deixar de observar também uma grande barra de gelo deitada no chão sobre a grama. Tenho deixado de lado os conceitos ocidentais de higiene para poder conhecer este mundo.
Em todos os pontos que íamos passando iam me dando pedaços e eu comendo, até que ao final do percurso já estava empanturrado. Contudo, sendo uma festa religiosa, bebidas alcoólicas neca, de modo que vi o pessoal me chamando pra sair e daí já imaginei "atrás de um bar para beber". O povo adora beber, especialmente Lokesh e Bhupendra, mas sempre precisam se deslocar para um lugar reservado, os poucos bares que podem vender cerveja.
Voltamos para a festa depois de duas cervejas e já estava bem vazia. Fomos então jantar, eu ainda empanturrado, e daí pro hotel dormir.

18 e 19 de maio - Working

Na terça e quarta as atividades foram mais voltadas para o trabalho, e as discussões sobre como podemos montar uma parceria, com eventuais saídas para almoçar e jantar. Tenho observado com cuidado como é o estilo de trabalho dos indianos. A princípio temos uma mão de obra barata, com muitas pessoas bem formadas, e um grupo bastante inteligente. Por outro lado vemos a característica pacífica e conformista relacionada à cultura que faz com que todos trabalhem com bastante foco, mas sem muitas ambições, e portanto sem muita gana pelo trabalho. Já ouvi também um comentário de que o indiano em geral não é muito criativo pra software, é mais procedural, mas isto terei que ver na prática para ver se é verdade. Não é uma cultura que favoreça muito os artistas, mas não dá pra saber dessas coisas sem conhecer.
Outro assunto que tenho observado bastante é o sistema de castas. Quando perguntei da primeira vez o sobrenome de Ram e de Lokesh eles responderam Vishnoi e Agarwal respectivamente. Só depois descobri que este era na verdade os nomes das castas deles, e não os sobrenomes. Comumente ouvimos falar sobre as castas como a definição da posição da pessoa dentro da hierarquia social, e aqui me contaram que originalmente existiam 4 níveis de castas, os governantes/guerreiros, os sacerdotes/homens de conhecimento, os comerciantes/agricultores e os artesãos/serviçais, depois viriam os de serviços inferiores/excluídos. Contudo, explicam que hoje em dia este sistema já não importa mais, existindo apenas 2 níveis, os que têm dinheiro e os excluídos.
Mas a coisa não é tão simples assim. Primeiro que todas as pessoas da família costumam viver juntas na mesma casa, segundo que avós, tios, tias, primos, incluindo segundo e terceiros graus, são considerados família também, podendo viver na mesma casa, ou na mesma rua, mas sempre próximos, de modo que é como se a família fosse o primeiro grau de casta, e daí as outras pessoas da mesma casta acabam sendo parentes em algum sentido. E se formos considerar que os casamentos só costumam ocorrer dentro da mesma casta então acabam sendo mesmo parentes.
Assim, podemos considerar a casta como uma espécie de tribo, onde as várias pessoas compartilham de várias características comuns, como genética, e daí são parecidos e tendem a ter os mesmos talentos inatos, são devotos de um mesmo Deus, e possuem o mesmo escolhido guru para guiar suas ações, este guru define um conjunto de crenças, valores, costumes e códigos que todos seguem, e eles acabam se especializando em uma determinada atividade, e assim se ajudando mutuamente a crescer, acabando por tornarem especialistas naquilo.
Funciona como uma grande família, e as pessoas falam de suas castas com orgulho. Casamentos com pessoas de outras castas costumam ser bastante criticados, e sair de uma casta para ir para outra, ainda que possível, é considerado uma grande traição ao grupo, e nesta situação a pessoa perde todos os amigos, pra não falar que não irá fazer facilmente amigos na nova casta, já que é um imigrante.
A discriminação ocorre como em todo lugar, e pude perceber, embora não de forma explícita nem nunca violenta, a postura de arrogância adotada por pessoas das castas superiores com aqueles que são serviçais, e igualmente notei a postura de subserviência das pessoas serviçais para comigo e com os outros.
Continuo a observar sem julgar se é certo ou não, e sei também que as pessoas com quem tenho interagido não se proclamam superiores a ninguém, até porque a religião hindu é muito centrada no desenvolvimento pessoal, e acho difícil que haja ali espaço para que alguém possa se proclamar superior a outro, pois perante aos deuses todos são iguais em sua inferioridade, no seu caminho para a superação da sansara e fim do ciclo de reencarnação.
Contudo a Índia é um país jovem quando falamos em democracia. O governo tem feito muito pelo desenvolvimento do país e tudo tem se desenvolvido muito rapidamente. Com o crescimento do ensino público e o desenvolvimento da educação da população acredito que muito do que existe hoje no sistema de castas venha a se dissipar nas próximas gerações.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

17 de maio - Meeting

A farra estava boa mas agora é hora de voltar ao trabalho. Mayank e Lokesh organizaram uma reunião com algumas pessoas da empresa deles, a IGM, para eu falar sobre a ITIn e discutirmos sobre oportunidades de parcerias, e assim levamos o dia inteiro.
Um detalhe que me chamou atenção no almoço foi que um dos participantes, Bhupendra, não iria comer. Perguntei porque e ele respondeu que segunda-feira é o dia de jejum dele, pois é devoto de Shiva. A religião hindu é plena de códigos de conduta sobre várias coisas, incluindo regras de alimentação. No caso de Bhupendra, a família dele não é vegetariana, mas jejua toda segunda-feira para purificar o corpo, Lokesh é vegetariano, mas só não pode beber álcool nas terças, e Atul jejua nas terças. Como existe uma pluralidade de deuses e gurus então imagino que existam várias diferenças nos códigos de conduta.
À noite Bhupendra e Lokesh passaram no hotel para sairmos para jantar. Me levaram em um lugar bastante moderno, com uma decoração de ótimo gosto que misturava elementos locais com modernidade européia. Tocava música eletrônica, coisas como electro e techno, e havia um público jovem no local.
Foi a primeira vez que vi mulheres em um bar, e algumas estavam bebendo e fumando, e vestidas com roupas ocidentais. Lokesh comentou que não eram todas de Jaipur, a maioria era de outras cidades e estavam lá a passeio. A idéia é que estando fora de sua cidade natal as pessoas se dão mais liberdade para fazer coisas que a família/religião proibem. Lokesh, por exemplo, bebe cerveja e fuma (em pequena quantidade), mas nunca bebeu ou fumou perante os pais, e segundo ele os pais nunca souberam. Fala que age assim em respeito à família, e valoriza muito isto. Mayank e Bhupendra agem da mesma maneira.
Bhupendra contou que a paixão deles é pegar o carro e sair viajando pela Índia. Eles são amigos de infância e adoram viajar juntos, pegam o carro, várias latas de cerveja, e vão bebendo muito enquanto dirigem milhares de kilômetros em alta velocidade. Tentei explicar que beber é legal, viajar mais ainda, mas viajar bêbado em alta velocidade é suicídio. Eles não deram muita bola.
Pelo que estou entendendo a cultura hindu é extremamente centrada na família e na religião. Todo mundo aqui vive na casa dos pais, e quando casam a esposa vai morar na mesma casa. Bhupendra contou que na casa dele moram 36 pessoas, e Lokesh mora com a família inteira na mesma casa, e vários tios e primos na mesma rua. Tenho visto que toda a casta acaba convivendo muito junta, e desta forma constantemente vigiando e replicando o código religioso. De forma que a cultura hindu não apenas reprime o hedonismo que consome a energia das pessoas, como é o caso das religiões judaico-cristãs, mas também promove um sistema bastante eficiente para afastar as pessoas dos desejos, de modo que não haja muito espaço para as "tentações do demo". Acredito que até a comida funcione neste sentido, pois a ausência de carne, comidas energéticas, bebidas, e temperos afrodisíacos deixa as pessoas em um estado bem pacífico e tranquilo, e assim os desejos pelo prazer são apaziguados e a mente foca em uma vida de paz de espírito.
Falo isto pois tenho começado a me sentir assim com esta abstinência de carne, comendo somente comida indiana, e bebendo no máximo 2 cervejas e já me sentindo tonto. Quando fomos pedir coisas pra comer senti meu corpo bastante fraco, e um desejo profundo de comer um suculento bife. Havia a possibilidade de pedir frango ou carneiro, mas decidi que iria manter meu plano até o limite. A única coisa que me preocupa é que estou me sentindo também meio broxa, mas como não há a mínima possibilidade de estar com uma mulher aqui isto não é nenhum problema. Só espero que os efeitos sejam reversíveis.
Pois é, meu plano de voltar para o Brasil casado com uma indiana está impossível de acontecer. Casamento aqui só com junção das famílias, depois de uns 10 anos de namoro. Pra não falar que a grande maioria das mulheres só querem casar virgens, e daí não dá pra fazer um test-drive pra saber se a química bate. Mulher indiana nem a dinheiro, pois aqui a atividade mantenedora dos casamentos no Brasil é proibida, seriamente combatida pela polícia. Não dá nem pra dizer que assim os caras acabam virando gay, pois a prática da homosexualidade é também proibida, e passível de 10 anos de prisão.
Bem, ficamos lá conversando e depois chegaram outros amigos de Bhupendra que vieram de Hydebarad, que é uma cidade próxima a Bangalore, e chamada de Vale do Silício indiano, por conta da grande quantidade de empresas de tecnologia lá instaladas. Havia 3 meninas com o pessoal, estas vestidas em roupas indianas, mas não duraram lá mais do que 10 minutos, de modo que não dava nem pra aproveitar o colírio para os olhos. É... acho que eu não me daria bem morando na Índia.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

16 de maio - Shopping

Acordei por volta da 11h. Havia o plano de ir visitar o forte Amber fazendo o trajeto montado em um elefante, mas isto só poderia ser por volta das 8h da manhã, porque após as 10 o sol fica muito forte e não é mais possível. Perdi a oportunidade de viver esta experiência, mas estou planejando outra ainda mais marcante.
Fomos de carro mesmo visitar o forte. Muito bonito o local, e o forte era gigantesco, mas estava fechado naquele dia, pois havia morrido um ex-presidente da Índia que era do Rajastão e foi decretado luto oficial.
Bem, como não havia muito mais o que se ver, Ram sugeriu irmos fazer compras, das coisas que tinha comentado com ele que queria ver por aqui. Ele ligou pra uns amigos e lá fomos nós nas lojas de souvenirs.
Falei pra todo mundo que não levaria presentes pra ninguém, mas acabei não resistindo e comprando várias coisas. Não estou pensando em ninguém em específico para cada coisa que compro, pois a lista seria grande. Como as coisas são bem baratas estou comprando várias para chegando no Brasil montar uma espécie de bazar indiano de presentes.
Depois Ram me levou a um bom restaurante. Pela primeira vez comi algo realmente bem preparado, e com pouca pimenta, embora ainda não tenha achado nada muito saboroso. Acho que Ram entendeu que só gosto de comida boa, depois da ocasião em que ele parou para comermos na estrada e pediu algo lá em uma venda de rua. O rapaz preparava tudo em uma única grande panela, pegando nas coisas com a mão, e quando montou um pratinho pra me dar pegou um biscoito qualquer, esmagou com a mão e jogou em cima do prato. Posso ser bruto pra várias coisas mas pra comida sou muito sensível. Olhei para aquele prato com uma sensação de asco e falei pra Ram que não queria não. Ele comeu sem problemas, e me apontou um carrinho de sanduíche logo ao lado. Fui lá, pedi qualquer um sanduíche, dei duas mordidas e aquele ambiente sujo, com centenas de pessoas, naquele sem fim de barraquinhas à beira da estrada, e aquele cheiro de lixo e esgoto me nausearam. Dei o que restou do sanduíce para um garotinho pedinte e fomos embora.
Aliás, se algumas pessoas acham que como pouco se espantariam me vendo comer quase nada por aqui. Os pratos já são pequenos, e eu como menos de metade, além de continuar me abstendo de carne. Tenho notado então algumas diferenças no meu humor, vou continuar observando para verificar se são mesmo efeitos da mudança na alimentação, ou no ritmo de sono.
Bem, após o almoço Ram me levou para conhecer um templo dedicado a Shiva. O templo tinha uma aparência bem decadente, mas era bastante frequentado. Havia uma entrada estreita por um portal que daí abria para uma área aberta ao centro. Tirei os sapatos como em todo templo, e continuei descalço. À esquerda vários homens oravam sentados, ao redor de uma grande escultura dourada de uma vaca. O que me chamou a atenção foi que os homens estavam sentados ao redor da vaca, mas olhando para o templo interno de Shiva, ou seja, alguns estavam de frente pra escultura, e outros de costas. Mais adiante várias pessoas entoavam cânticos e fui olhar de perto. Era como uma pequena capela com várias imagens de Shiva pela parede, e uma área central com uma espécie de caixa embutida de aço inoxidável com uma pedra marrom polida no meio e um bezerro dourado em uma lateral. As pessoas ao entrar tocavam no piso do templo e beijavam a mão, ou se abaixavam e beijavam o chão, depois tocavam um sino pendurado no alto. Ao redor da caixa uns 5 homens estavam sentados entoando uma espécie de ladainha, derramando água ou leite sobre a pedra, e esfregando a mesma. Alguns passavam a mão na pedra úmida e pegavam um pouco da mistura para pingar na boca ou cabeça, outros alisavam os pés da escultura de Shiva e baijavam a mão. Fiquei lá um pouco observando o ritual.
De lá fomos visitar o templo Birla. Este templo era bem diferente do outro pois o espaço era muito suntuoso, limpo e organizado, inclusive com lugar para guardar os sapatos que cobrava 1 rúpia. Ram me falou que é o templo que as pessoas ricas e famosas da Índia frequentam, e eles constroem grandes e belos templos por toda Índia. Era uma construção muito bonita, inteiramente em mármore branco. Lá dentro não haviam mesas ou cadeiras, apenas um grande salão onde as pessoas sentavam no chão e um espaço menor, como uma capela, onde ficavam as imagens e adornos de flores. No pé das imagens alguns pássaros bicavam das oferendas que haviam sido colocadas, e ao lado um monge silenciosamente entalhava alguma coisa em madeira. Haviam também vários deuses entalhados em baixo relevo nas paredes, e belos vitrais nas janelas.
Lokesh estava ocupado o dia inteiro, mas à noite nos encontramos e fomos comer algo rápido. Como já era tarde os restaurantes estavam fechados e fomos em uma espécie de lanchonete 24h. Quer dizer, lanchonete só por não ser um restaurante, mas a comida era a mesma de sempre, todos os lugares aqui servem praticamente a mesma coisa, o chapati com os molhos picantes.
Ficamos lá conversando sobre a Índia, as castas, e coisas do tipo antes de eu voltar pro hotel pra dormir.

15 de maio - Jaipur

Acordei por volta do meio dia com o telefonema de Lokesh. Ele e Mayank vieram me visitar, e finalmente encontrei com meu anfitrião.
Mayank anda um pouco apreensivo e bastante ocupado com os preparativos do casamento. Como muita gente já ouviu falar, casamento aqui na Índia é um evento de grandes proporções, que dura vários dias. Pelo que entendi começa 4 dias antes, com uma série de eventos acontecendo com o noivo, e com a noiva, mas então separados um do outro, cada um em sua respectiva casa. Daí, no quinto dia acontece o encontro entre os dois, e então o casamento propriamente dito. Não sei ainda dos detalhes, mas irei me informando aos poucos, só sei que eles estão esperando mais de 1.000 convidados (!!!), sendo que a família de Mayank, o noivo, é responsável pela recepção de 400 deles, e a família da noiva responsável pelos 600 restantes. Lokesh me falou que um casamento é muito caro, custando por volta de 1 milhão de rúpias, sendo que a família da noiva é que é responsável pela maior parte, geralmente 70% dos custos (mulher é sempre mais cara). É muito dinheiro para o povo daqui, mas se formos considerar que equivale a 40 mil reais acaba sendo bem mais barato do que seria gasto no Brasil para uma festa com tantas pessoas, sendo que várias vêm de outras cidades e são os noivos que são responsáveis por providenciarem a hospedagem, incluindo nos hotéis.
Inclusive, Mayank tinha me falado que eu ficaria na casa dele, mas tinha dito a ele que não queria ser invasivo de forma alguma. Ele reservou o hotel para mim e fez questão de deixar tudo pago. Sou um convidado aqui.
Jaipur é uma cidade com grande tradição turística, e por isto são muito hospitaleiros e se orgulham muito disto. É conhecida como a Pink City, pois em 1853 o marajá daqui mandou pintar a cidade toda de rosa, símbolo de hospitalidade, para receber o príncipe inglês, e a tradição permaneceu até hoje. Foi por conta disto que Lokesh me falou que para ele "Guest is God". Aliás, acho que a palavra marajá, na acepção que conhecemos no Brasil, originou-se desta região. Li que durante o império britânico e posteriormente na independência daqui os marajás fizeram alianças e assim conseguiram manter seus títulos e propriedades, e foi nesta época que aconteceu deles viajarem pelo mundo esbanjando riqueza, até que consumiram tudo e hoje possuem uma vida modesta em seus palácios. Vou reservar um momento para conhecer o palácio do marajá, que também é um museu.
Mayank e Lokesh são sócios em uma empresa de informática, e convidaram Atul para conversarmos sobre negócios. Sim, só me permiti fazer uma viagem tão longa e cara porque identifiquei boas possibilidades de negócios a serem exploradas por aqui. Férias e turismo não me atraem por si só.
Mayank voltou para seus afazeres do casamento e saímos eu, Lokesh e Atul com Ram para visitarmos o Nahargarh Fort. O calor ainda era intenso e a paisagem bem seca nesta época do ano, mas a vista da cidade lá de cima era extremamente bela.
Jaipur é uma cidade relativamente grande, com cerca de 3 milhões de habitantes. A parte antiga da cidade foi toda planejada é ainda é bastante organizada. Lá de cima dava pra ver vários dos monumentos famosos da cidade.
Ficamos lá até o anoitecer. O forte hoje é um ponto turístico e possui um pequeno restaurante que funciona a céu aberto. Tirei várias fotos enquanto bebíamos cerveja e conversávamos sobre vários assuntos. Atul é uma pessoa que gosta muito de conhecimento sobre vários assuntos, e possui um pensamento bastante claro, de modo que rapidamente percebi uma identificação intelectual e daí foram vários assuntos filosóficos e culturais. Ele se declara agnóstico, acredita em Deus mas não segue nenhuma religião, e é a única pessoa que encontrei por aqui com essa característica de pensamento, todos os outros são hindus praticantes. Ele que tem me explicado de maneira objetiva vários aspectos acerca da cultura indiana, além de sempre acrescentar um ou outro conhecimento na conversa que esclarece o porque de certas coisas. Percebi também que ele é o cabeça da empresa nas questões de tecnologia, enquanto Lokesh é o comercial/lobby guy. Sempre brinco sobre o assunto com Lokesh, pois ele é da casta Agarwal e o comércio está no sangue dele, embora ele fale que é engenheiro e um homem de tecnologia.
Quando deu 6 da tarde comecei a ouvir uns cânticos ecoarem pela cidade, e perguntei o que era. Eles falaram que eram as mesquitas islâmicas e que todos os mulçumanos rezam àquela hora. Foi um momento muito belo, lá de cima vendo o sol se por, e todos aqueles cânticos ecoando pela cidade em sintonia. Filmei um pouco, mas é o tipo de experiência que só presenciando para sentir.
Voltei relativamente cedo para o hotel, para descansar mais da viagem, porém todos os dias costumo ter insônia a partir das 11 da noite até por volta das 4 da manhã, o corpo ainda se lembra do horário do Brasil.

terça-feira, 18 de maio de 2010

14 de maio - Viagem para Jaipur

Acordei por volta das 9h da manhã e fui à varanda do quarto do hotel. Havia uma linda vista para o vale, com a cadeia de montanhas ao redor. Realmente um lugar privilegiado.
Era a primeira vez que via uma grande porção de verde, pois na planície lá embaixo todas as terras eram cultivadas. Percebi no mapa que estávamos na cadeia de montanhas do Himalaia, próximos da fronteira com o antigo Tibet, atualmente China, ao norte, e algumas poucas centenas a leste encontraríamos o Nepal, o qual Ram comentou que a moeda indiana lá vale muita coisa. Pois é, não existe limite para pobreza.
Já lá embaixo é o vale do Ganges, e  trata-se de uma gigantesca planície, com várias cidades espalhadas, e quase toda área cultivada. Ram comentou que a cidade que víamos lá de cima se chamava Dehradun, e que era uma cidade grande. O último censo de 2001 fala em 450.000 habitantes, mas acredito que já tenha mais de 1 milhão. Entendi então como é possível ter mais de 1 bilhão de pessoas neste país, todos os lugares são muito ocupados, e existem muitas grandes cidades. Delhi é uma cidade de 18 milhões, Mumbai tem mais de 20 milhões, Kalcutá tem por volta de 22 milhões, e daí várias outras com muita, muita gente. Em todo lugar que se passa é muita gente que se vê. Sabem qual é o primeiro impacto? Poluição.
Em todo horizonte que olho por aqui vejo o céu levemente marrom, e lembrei da Grande Nuvem Marrom, uma gigantesca nuvem de poluição que cobre toda a Índia, e daí passei a observar na beira da estrada uns montinhos de bolinhos marrons, e que Ram me confirmou que era esterco de animal para o pessoal cozinhar. Por conta disto muita fuligem é lançada no ar e daí a poluição é algo que cobre todo país.
Saímos para passear por Mussoorie e conhecer a cachoeira. Um lugar muito bonito com uma cachoeira de água gelada cristalina descendo das montanhas. Tirei algumas fotos.
A propósito, estou tirando fotos a ermo, sou péssimo fotógrafo, e também tenho tirado muitas fotos duplicadas para ver qual fica melhor, e muitas de dentro do carro, sem nem pedir pra Ram parar ou diminuir , nem abrir a janela, de modo que meu registro visual está bem meia boca. Tenho feito vários vídeos também, muitos bem quebrados. E sei que não terei tempo para organizar ou publicar nada disto. Peço desculpas aos curiosos, mas me concentro mais em observar do que registrar.
Eis o link para as fotos. Quem quiser ver os vídeos me peça que compartilho o diretório. Ah, desculpem-me também pelo tamanho das fotos. A câmera é de 14 MegaPixels e daí os arquivos ficaram enormes, e agora não terei tempo para diminuir a resolução. Quando fizer isto aviso.
Bem, já estava na hora de voltar para Delhi para seguirmos para Jaipur, e não fiz questão de conhecer mais da cidade. Partimos por volta das 15h, e calculei que chegaríamos em Delhi por volta das 21h. Ledo engano, a viagem de volta foi mais lenta ainda, haviam milhares de caminhões andando a estonteante velocidade de 30Km/h, e chegamos na famosa Connaught Place por volta da meia-noite.
Descemos para irmos a um ATM sacar dinheiro para poder pagar as diárias dos hotéis ao amigo de Ram. Andamos pela praça em frente ao templo dos macacos. O piso da praça era de pedra clara e irradiava um calor intenso, como quando passamos na frente de um forno muito quente. Haviam várias pessoas dormindo pelo chão, e outras andando e conversando, tudo isto à meia-noite.
Sacamos dinheiro no ATM e voltamos para o carro, e eu pensando que no Brasil nunca conseguiria sacar aquela quantia àquela hora, nem me sentiria tranquilo andando pelas ruas daquele jeito. Percebi que aqui, apesar da quantidade de pessoas, não existe violência como estamos acostumados a ver. Tenho pensado sobre o assunto e acredito que isto esteja intimamente relacionado à religião hindu, que é absolutamente presente em todas as pessoas e lugares. Prega-se a vida em comunidade e a tolerância com tudo, além do respeito absoluto pela vida e a idéia poderosa de que esta é apenas uma das vidas de muitas que sua alma pode ter, sendo que se você está em uma situação ruim hoje é porque não seguiu um caminho justo na vida anterior, e deve seguir o caminho da retidão espiritual se quiser melhorar nesta ou na próxima vida. Desta forma não vi nenhuma demonstração ou comentário sobre violência física de nenhuma natureza.
Claro que com tanta gente junta, carente de recursos, como aqui, nada poderia ser tão perfeito. Percebi sim que ocorrem furtos, especialmente nos grandes centros. Mas nada se compara com a violência que agride e mata como costumamos ver no Brasil. No geral o povo aqui é extremamente pacífico, e a polícia exerce seu controle das multidões com um pequeno pedaço de pau, que nem se compara com o peso de um cassetete. Não carregam armas.
Saímos de Delhi em direção a Gurgaon, para encontrarmos com Lokesh. Ram estava bem cansado e percebi que gostaria de dormir para seguirmos no dia seguinte para Jaipur, mas a intenção de Lokesh era irmos imediatamente, e Lokesh não teve como dizer não, além de ser contratado, ele é de uma casta inferior. Voltarei ao assunto depois.
A estrada para Jaipur era bem melhor do que as que tínhamos pegado para o norte, com duas pistas de 4 vias. Mas a quantidade de caminhões era gigantesca, de modo que o tempo de viagem previsto era de 4:30h para 230Km de distância. Nossa velha velocidade de cruzeiro de 50Km/h.
No caminho Lokesh pediu para pararmos em uma loja de bebidas, e comprou cervejas. Lá se foi minha abstinência de álcool, já imaginava. Mas me chamou atenção a tal lojinha, gradeada e iluminada, com as prateleiras repletas de bebidas, e nem uma mesinha pra sentar, nem pessoas bebendo pelas redondezas. Como falei, bebida alcoólica é muito controlada aqui, e Lokesh me falou que aquele vendedor teve que pagar  10 milhões de rúpias (!!!) para o governo pela concessão para uma loja de bebidas. São 400.000 reais num país em que um carro custa 8.000. É quase uma lei seca, e começo a entender porque.
Mas como ia dizendo, a estrada estava lotada de caminhões, e chegou a parar por uns 30 minutos devido a um suposto acidente mais adiante, mas a partir daí seguiu bem.
Chegamos em Jaipur ao amanhecer. Acordei de um cochilo e comecei a notar a cidade no meio de uns morros secos, tudo cor de terra seca, bastante pedregulhoso, com uns fortes no alto dos morros, e muros enormes que seguiam todo topo das colinas, lembrando a muralha da china numa escala bem menor.
Passamos por um grande portal em um estilo parecendo árabe e continuamos pelas ruas da cidade. Poucas pessoas andando nas ruas naquele horário. Um pouco à frente vi um garoto caminhando em cima de um enorme elefante e falei meio abismado, ainda sonolento e em português "Um elefante!". Fiquei impressionado ao passar de carro ao lado daquele animal gigante. Ram comentou que haviam mais de 100 elefantes pela cidade.
Estávamos indo para o hotel, as ruas ainda meio vazias. Vi um garoto meio maltrapilho andando de bicicleta pela rua, alguns cachorros latiam na direção dele e ele foi se afastando mais para o meio da rua. Ram devia estar bem cansado e não deu distância, o garoto foi chegando mais e mais e quando vi estava quase se jogando na frente do carro a dois metros adiante. A única reação que consegui ter foi tapar os olhos com ambas as mãos, soltando de susto em português um "puta que pariu!", enquanto ouvia um baque surdo do carro batendo no garoto.
Ram parou assustado uns 30 metros adiante. Lokesh acordou e perguntou o que foi e Ram respondeu em hindi o que entendi como que o garoto se jogou na frente do carro. Olhei para trás e o garoto estava de pé, segurando a bicicleta, ainda preocupado com os cachorros que latiam pra ele. Ram reclamou do espelho retrovisor que estava quebrado, e seguiu viagem. Fiquei meio sem ação, sem saber se devia pedir para pararmos e irmos lá ver se estava tudo bem com o menino, sem saber se devia agir ou simplesmente observar, e calado permaneci. O garoto não aparentava ter se machucado, mas ainda estou tentando compreender como funcionam os valores e respeito nesta cultura. Sou tratado com uma distinção quase serviçal, mas os de casta baixa são naturalmente desprezados, e aceitam humildemente tal situação.
Chegamos ao hotel, e fui dormir exausto.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

13 de maio - Viagem para Mussoorie

Acordei as 9h da manhã e desci para o breakfast. O atendente me ofereceu algumas opções, mas sem conhecer nada pedi a ele que trouxesse o que ele achasse melhor. Chegou uma tigela de frutas com 3 variedades, incluindo vários pedaços de melancia, que não gosto, mas comi tudo sem pestanejar. E depois o famoso chapati com um molho picante qualquer. Está difícil diferenciar o que é o que nisto tudo. Comi à moda indiana, cortando os pedaços de pão e molhando no tal molho. Não entendi qual foi a diferença em relação ao jantar do dia anterior.
O hotel ficava à baira do Ganges e realmente oferecia uma bela vista para o rio. Acho que este é o maior motivo de ser tão caro a ponto de ser classificado como 4 estrelas. Na parte da frente do pátio estavam construindo uma espécie de grande quiosque, já na fase de colocar o telhado. Havia um homem colocando os tijolos e cimentando a parte central do telhado, e cerca de 4 garotos na faixa dos 12 a 14 anos carregando os tijolos para cima. Já tinha lido que na Índia só é considerado trabalho infantil abaixo dos 12 anos de idade, mas ver os meninos trabalhando foi bem estranho, me lembrou os tempos de antes, quando eu era menino, em que trabalhar com 12 anos ou mais era comum, e eu mesmo comecei a trabalhar com 13. Mas de qualquer forma foi uma visão incomum para mim.
Arrumei as malas, fiz check-out no hotel, e saímos para conhecer a região. Ram me apontou uma viela onde as pessoas estavam descendo pra ir ao rio, e ficou no carro esperando. Desci pelo caminho estreito cercado de lojas de souvenirs e fui seguindo o fluxo. Um pouco mais abaixo vi as pessoas entrando em um lugar, e percebi que era um templo. Entrei também pra conhecer.
Já adianto que não estou tirando fotos dentro dos templos. Considero deselegante tirar fotos das pessoas que estão rezando ou cultuando, ou do espaço dos templos. Enxergo como um local sagrado, e ficar lá com câmera em punho feito um bisbilhoteiro me parece muito ofensivo. Tiro os sapatos como todo mundo e entro nos templos como puro observador, apenas olhando tudo sem nada julgar, na postura de total respeito pela crença alheia. Quem quiser conhecer um desses templos por dentro terá que vir aqui ver com os próprios olhos.
Continuei andando e cheguei em uma ponte pênsil para pedestres que atravessava o rio. Eu falei pedestres? Bem, além da centena de pessoas vamos incluir motos e vacas na história. Fiz um filme na câmera para mostrar aquela coisa inusitada de estar em uma ponte cheia de gente com motos buzinando para passar pelo meio. Até agora não consegui entender se os indianos são muito educados para convivência em comunidade, ou são totalmente sem educação e respeito pelo espaço do outro. Minhas convicções ocidentais são muito limitadas para poder decidir sobre o assunto.
Do outro lado havia dois grandes prédios muito bonitos, coloridos e curiosos, que percebi serem centros de ensino e prática de meditação. Vi depois que Rishikesh é um dos maiores centros da Índia para prática de Yoga. Sei de uma galera que daria de tudo pra conhecer aqueles centros, e lá estava eu somente tirando fotos do lado de fora. É a vida.
Saindo de lá pegamos novamente a estrada para irmos para Haridwar. A cidade estava cheia de peregrinos que vão lá pra se banhar no Ganga. Ram falou que era outro rio, mas confirmei depois que era o próprio Ganges que tínhamos visto lá em Rishikesh e lá em Haridwar. O rio é bem extenso, com muitas pessoas se banhando nas margens. Não vou comentar sobre a quantidade infinita de moscas, mas apenas nas pessoas que estavam deitadas no chão dormindo nas margens do rio, além de algumas que estavam rezando ou comendo por ali. No meio do rio, eu uma ilha, havia uma espécie de templo com uma estátua gigantesca de Vishnu, o deus hindu de manutenção do mundo. Para aqueles que não conhecem existe Bhramin, que é o princípio pleno de todas as coisas, e dele derivam 3 deuses, Brama, Vishnu e Shiva, compondo a trimurti. Não adianta explicar os detalhes destra trindade por que em cada lugar que pesquiso encontro uma descrição diferente. Esta é uma característica que já observei, cada um explica os deuses como melhor entende, e cada um acredita da forma que mais convém. E no final das contas não há muita discussão, pois ninguém e todos estão certos. É realmente uma forma muito diferente de lidar com a "verdade".
Seguimos para uma outra parte do rio onde havia um espaço para as pessoas se banharem. Vale notar aqui que havia uma espécie de grade há 3 metros da margem para que as pessoas evitem ir para as partes mais fundas e se afoguem. A correnteza no rio é considerável.
Fui com Ram até a margem e acabei me motivando a tirar os sapatos e me molhar no rio, os pés, as mãos, e a cabeça. Meu olfato é confiável e percebi que o rio não era sujo, embora tivesse as águas turvas. Naquele ponto ali não era aquela coisa poluída que costuma-se ver na televisão.
Ram hesitou um pouco, mas depois se animou e tirou a roupa e entrou na água pra se banhar, de cuecas (grandes) como todos os outros homens. A água era bem gelada e ele falou que era bom pra saúde. Havia algumas poucas mulheres se banhando, mas absolutamente vestidas dos pés à cabeça. Fiquei ali olhando o povo se banhar mas sem disposição pra entrar. Depois fiquei pensando que poderia ter deixado de frescura e aproveitado a oportunidade para me banhar e contar pra todo mundo que já purifiquei minha alma no famoso Ganges. Quem sabe não conseguia lavar alguns dos meus pecados, uns dois que fossem já ajudava.
Dali seguimos de carro para Mussoorie, que é uma cidade a 2.000 metros de altitude, já próxima da fronteira com o antigo Tibet.
Chegamos lá relativamente cedo. A cidade era pequena com uma série de lugares remetendo a missões cristãs, devido à fundação recente pelos britânicos, e havia um grande número de tibetanos, todos sósias perfeitas do Dalai Lama, próximos em alguns templos da região.
A temperatura lá já era bem mais baixa, chegando mesmo a fazer algum frio. Procuramos um pouco e chegamos a um hotel que o tal amigo de Ram havia reservado para mim, desta vez um de 3 estrelas. Fiquei um pouco receoso por conta da experiência do que 4 estrelas, mas desta vez finalmente fiquei em um hotel bem decente, 3 estrelas bem classificadas.
Mussoorie é uma cidade encrustrada no meio da parte mais baixa do Himalaia, espalhada em poucos lugares relativamente planos no meio da montanha. A estrada para se chegar lá era daquele tipo que sobre contornando a montanha, com aquelas curvas de 360 graus que dá pra se ver a placa de trásdo carro. O hotel se localizava à beira da estrada incrustado na montanha, e a varanda do quarto tinha uma belíssima vista para o vale sem fim onde se encontravam várias cidades. Sim, ali era um lugar privilegiado, e encontrei a inspiração para começar a escrever o imaginado blog.

domingo, 16 de maio de 2010

12 de Maio - Viagem para Rishikesh

Acordei no meio da madrugada sem sono algum. Este negócio de jet-lag é mesmo sério. Como já me conheço, nem tentei pegar no sono novamente, pois não iria conseguir. Ao invés disto aproveitei para acessar meus e-mails e ver como estavam as coisas do outro lado do mundo.
Como ainda estava sem notebook o jeito foi acessar pelo iPhone mesmo. Pra mim que chego a receber mais de 300 e-mails por dia, acessar pela tela do iPhone a 64Kbps é um processo, responder e-mails pior ainda, mas era a única forma.
Li todos os e-mails, respondi alguns poucos, e fiquei me sentindo bem por ver que tudo na empresa estava caminhando bem sem mim. Por vezes sinto que as pessoas da empresa dependem muito de mim pra tudo, e chego até a acreditar que sou mesmo assim importante, mas eu sei que todas as pessoas são muito competentes e conseguem resolver quase tudo sozinhas, e não é a primeira vez que vejo tudo caminhar bem na minha ausência. Já senti esta sensação algumas vezes, como por exemplo quando estava na escola diante de um professor que respeitava pelo conhecimento. Não me sentia seguro pra resolver as questões e sempre recorria a ele. Mas depois, quando estava diante de questões semelhantes e não mais era seu aluno eu resolvia tudo com segurança e correção. Pensarei mais sobre este assunto.
Acabei não dormindo, e comecei a me preparar pra sair por volta das 9h. Mayank me ligou contando que a Lufthansa tinha informado a ele que minha mala já tinha chegado e que iriam levar na pousada. Finalmente uma boa notícia! Como o plano era viajar para Rishikesh, decidi passar no aeroporto para pegar a mala diretamente, pois não pretendia voltar pra tal guesthouse.
A mala estava meio surrada, resolvi abrir no aeroporto mesmo só pra confirmar o que eu já esperava, tinha comprado uma pequena escultura de uma baiana em cerâmica no aeroporto de Salvador para trazer de presente pra Mayank, mas claro que a mesma tinha se despedaçado. É... da próxima vez terei que embalar com mais cuidado... Mantive-me na filosofia de não reclamar o que já estava perdido.
Almoçamos na lanchonete do aeroporto sob um calor de 40 graus. Aliás, almoçamos não, pois eram ainda 10:30h e este é o horário que o povo faz o breakfast por aqui, indo almoçar depois das 13h, e jantar por volta das 21h. O horário é bem diferente do nosso, e acho que é por conta do sol, que reina por aqui. Falei pra Ram escolher qualquer coisa indiana vegetariana, e ele pediu uns molhos picantes com chapati (o tal do pão árabe oleoso bem fino e assado na chapa). Lá estava eu de novo rasgando o pão e com a mão e segurando os pedaços com os dedos tentava com dificuldade pegar os pedaços de coisas dentro daquele molho vermelho, para depois levar à boca aquela mistura extremamente picante, isto tudo em um salão sem janelas, com um calor seco de mais de 40 graus, sem ar-condicionado ou ventilador, cercado de moscas. É... a gente não pode emitir opinião antes de conhecer, né? Aliás, baixando aqui um espírito Poliana, até que é bom este negócio picante, assim eu não sinto o sabor das verduras, que eu definitivamente não gosto, e daí posso comer qualquer coisa, já que o sabor é sempre o mesmo...
A missão agora era comprar o notebook, e quem sabe um brinquedinho... Passamos em um shopping center onde tinha uma loja da Sony, mas tinha muito poucas opções, e então Ram sugeriu irmos para Connaught Place, pois lá se encontra de tudo (como eu havia imaginado, um centro comercial). Saímos na rua e a irradiação de calor era ainda pior do que no aeroporto. É como estar dentro de um forno a gás, um calor seco que te queima. A gente praticamente não sua, porque o ar seco te queima sem que você sue muito, é diferente do calor de Salvador, onde a gente sua feito um cuzcuz.
Entramos nas galerias embaixo da Connaught Place para ver se lá tinha o que procurava. Lembrei-me das Galerias Pajé, na 25 de março em São Paulo, só que vendendo de tudo mais e naquele calor infernal. Realmente uma experiência para pessoas resistentes.
Não tinha nada de eletrônico de qualidade por lá, mas achei o meu desejado Play Station 3. O preço não estava muito inferior ao da loja, mas o vendedor sikh (aqueles que usam turbante na cabeça) acabou me convencendo. Depois que paguei fiquei com a sensação de que tinha me metido numa roubada, pois a diferença de preço compensava ter comprado em uma loja. Contudo, testei e estava tudo em ordem, o único problema é que foi sem nota, o que pode me causar algum problema na alfândega.
Saímos das galerias e andamos um monte pelas ruas empoeiradas em obras. Delhi irá sediar os Commonwealth Games este ano e por conta disto estão arrumando tudo na cidade, inclusive construindo um metrô, que promete melhorar muito o caótico trânsito da cidade, já que o transporte público consiste atualmente em ônibus de 1960 e tuk-tuks com motor de bicicleta, e nem preciso falar que ambos só andam com pessoas saindo pelas janelas. Mas como eu ia dizendo, a Connaught Place está uma poeira só.
Aliás, poeira, fuligem, placas pra todo lado, buzinas constantemente, e tudo mais sujo e fedorento, fazem de Delhi o lugar mais poluído que já conheci na vida, faz o centro de São Paulo parecer um templo budista nas montanhas.
Voltando, andamos um tanto e chegamos a uma loja da Sony, e lá comprei meu pequenino novo notebook. Ainda estou me acostumando com o teclado minúsculo do bichinho, toda hora erro o shift e não sai o espaço, e o processamento é bem aquém das necessidades de um hard-user como eu, mas a portabilidade é muito boa, vamos ver se consigo me adaptar.
Já eram 15h quando pegamos a estrada para ir para Rishikesh. Aliás, estrada não é adequado para descrever o caminho que pegamos. Curiosamente o asfalto é bom, e não vi nenhum buraco no caminho, mas em compensação existe tudo de imaginável pelo caminho, os tuk-tuks lotados que andam a 30Km/h, pessoas, carroças de cavalo, bois ou búfalos, ônibus centenários, e caminhões que não dá pra descrever, só digo que atrás dos caminhões tem a placa informando que eles trafegam à velocidade máxima de 40Km/h e sempre pintado em letras vermelhas Horn Please. Em outras palavras, não era estrada, mas sim uma interminável avenida, reta, plana, e constantemente cheia de gente por todo o caminho, como se fosse uma única grande cidade. Resultado: 230Km percorridos em 8 intermináveis horas.
Chegamos no hotel que Ram arranjou com um amigo pra mim por volta da meia noite, eu prá lá de cansado, já perto daquele estado que começo a ficar irritado com tudo e achar que tudo é uma merda. Controlei meu temperamento pois se que se isto se instalasse eu iria querer voltar pra casa no dia seguinte, e efetivamente voltaria. Pensei só em descansar bastante pois há muito o que conhecer ainda.
O hotel ficava numa encosta íngreme com vista total para o rio Ganges, e possui o potentoso nome de Ganga Beach Resort. O amigo de Ram tinha nos dito que era 4 estrelas, mas quando cheguei na recepção fiquei com a sensação de que era 3 estrelas, e quando subi pro quarto confirmei que eram 2 estrelas com boa vontade. Tudo bem, só precisava dormir bastante mesmo.
Mas claro que antes de dormir formatei e instalei meu novo notebook e testei alguns joguinhos no meu novo videogame. O estress passou.   =D

11 de maio – Chegada em Delhi

O aeroporto de Delhi inicialmente me lembrou o Galeão do Rio de Janeiro, mas depois se mostrou ser ainda mais decadente. Tinha um formulário enorme para ser preenchido e obviamente eu não tinha uma caneta. Será difícil, mas vou tentar lembrar de trazer uma na próxima viagem. Para entrar no Brasil preenche-se um formulário semelhante. Burocrata adora formulários, havia preenchido um maior ainda pra tirar o visto pra Índia. Fiquei pensando se alguém se dá o trabalho de digitar aquilo em um sistema de controle de imigração, mas acho bem difícil, aquilo deve ir pra uma pasta pra alimentar fungos e traças por anos afio. Passei pela polícia de fronteira que me fez várias perguntas, inclusive o nome completo e telefone do meu amigo indiano já que eu não sabia o endereço onde iria ficar. É, um país com uma população de 1,12 milhão de habitantes e crescendo, cercado de países mais pobres ainda, precisa se preocupar com imigração...
Fui lá pra esteira de bagagem esperar pela minha mas meio que já antevendo que não chegaria. Dito  e certo, os alemães não conseguiram ser tão eficientes assim. Fiquei esperando na fila pra falar com um funcionário da companhia, atrás de outros passageiros que também não haviam recebidos suas malas. A mulher da minha frente estava reclamando um monte com o funcionário, e ele pedindo várias desculpas. Segui o protocolo de reclamação sem demonstrar consternação, cansado que estava e já imaginando que aconteceria mesmo, além de saber que nessas horas não adianta perder muito tempo reclamando com um funcionário de atendimento ao público.
Vi a mulher da minha frente receber 6.000 rúpias, e achei que seria uma indenização ridícula pela perda da mala. Na minha vez o rapaz me trouxe 4.000 rúpias. Falei pra ele que aquilo não era nem 10% do valor de minha bagagem, mas ele falou que era só uma compensação que a companhia oferecia pelo transtorno, e que a bagagem chegaria lá posteriormente e eles me ligariam pra me entregar. É... preciso aprender a reclamar mais, e daí quem saiba receba compensações melhores pelos transtornos.
Saí para área de desembarque e achei que estava bem vazia, uma área pequena, algumas poucas lanchonetes, e algumas poucas pessoas esperando passageiros com placas de nome. Procurei uma com meu nome, pois Mayank havia me dito que mandaria o amigo dele me buscar, mas não achei. Liguei pra Mayank e ele me confirmou que o amigo dele estava lá, e me passou o número. Quando liguei para Lokesh, o amigo, ele falou que estava lá na saída.
Falando assim parece que foi uma comunicação fácil, mas foi o momento que comecei a ver que eu teria muitas dificuldades de comunicação na Índia. Se você perguntar a um indiano eles dirão que os indianos falam muito bem o inglês, mas para mim que falo mal inglês, entendê-los é quase impossível, pois o sotaque é super estranho. Achava que o inglês era quase língua oficial na Índia, mas não, eles falam mesmo hindi, com uma ou outra palavra moderna em inglês no meio, e com entonações próprias e um `r` bastante puxado. Na maior parte das vezes quando falam comigo eu simplesmente balanço a cabeça afirmativamente e sorrio, mas quando é uma pergunta sou obrigado a dizer que não entendi e pedir a pessoa pra repetir.
Mas voltando ao aeroporto, vi uma porta pequena escrito saída, e saí por ali procurando o tal Lokesh com a placa, e daí entendi que o salão do desembarque estava vazio porque a polícia não deixa as pessoas entrarem, só se pagarem pela entrada, que custa a fortuna de Rs 80,00. Em resumo, havia uma multidão de pessoas do lado de fora do aeroporto esperando os passageiros, povo descalço ou com aparência pobre, um calor infernal, uma barulheira insana, todo mundo falando ao mesmo tempo, um policial com uma vareta reclamando com o povo pra se manter atrás da grade de contenção, e moscas pra todo lado. Estou na Índia!
Pedi ajuda a um policial idoso com um turbante vermelho na cabeça pra orientar ao meu cicerone onde eu estava, e consegui por fim encontrar com Lokesh.
Se ele tivesse me dito que era baiano mas que tinha ido pra Índia pequeno eu acreditaria. Todo mundo por aqui poderia se passar por um baiano, assim como muita gente aqui achou que eu era indiano, exceto pela roupa um pouco diferente. Lokesh é um moreno claro, cabelo liso, e estava vestido com uma camiseta, jeans e um chinelo. Baiano típico.
Entramos no táxi e ele deu as instruções para o choffer em uma língua ininteligível. Depois me perguntou algo em um inglês ininteligível. E daí fomos seguindo num entendimento precário até o hotel em Gurgaon. Ele havia ido me esperar no dia anterior, e havia tentado me ligar no celular sem sucesso. Pedi desculpas a ele, eu não sabia que Mayank iria mandar alguém me esperar, e só avisei a ele que o voo havia sido cancelado quando consegui marcar o voo no dia seguinte.
Fui andando no táxi achando Delhi uma cidade moderna, mas estranhando aquele dirigir do lado direito do carro, e aquela confusão no trânsito com todo mundo andando como se não houvessem faixas e buzinando sem parar. No pedágio a fila andava rápido, e quando observei vi o rapaz do guichê pegando alucinadamente o dinheiro dos motoristas e entregando o papel e o troco e liberando a cancela. Queria que os funcionários dos guichês da Linha Verde vissem aquilo.
Fomos seguindo para Gurgaon e fui vendo prédios muito bonitos e modernos. Lokesh me explicou que Gurgaon é uma cidade ao sul de New Delhi, onde ficam as sedes de todas as empresas de tecnologia multinacionais e nacionais instaladas por lá. IBM, Accenture, Yahoo, Google, Dell, Panasonic, tinha de tudo por lá. Tudo por conta da mão de obra vasta e barata para o desenvolvimento de software. Este é um dos grandes motivos desta minha visita à Índia, um workaholic nunca tira férias, ele expande seu networking em novos horizontes.
Saímos da estrada principal e já caímos em umas ruas estreitas até umas de barro. Lá ficava a Guesthouse da minha primeira noite, um tipo de pousada. Lokesh me explicou que hotel em Gurgaon é muito caro, e por isto haviam reservado esta pousada pra mim. Lembrei-me de quando fiquei em um hotel de rodoviária em Fortaleza, em 2000, no meu primeiro projeto na Telemar antes de fundar a ITIn. O quarto mais barato era pior do que qualquer pousada que eu tenha ficado desde então, e ainda assim era melhor do que este da guesthouse, ainda mais com a impressão estranha de ver funcionários dormindo no chão do hall de passagem as 3h da tarde, com aquele cheiro típico de pessoas que suam muito mas nunca usam sabonete nem desodorante e pouco se banham. Bem, lá já estava e lá dormiria.
Após 3 horas de sono Lokesh apareceu acompanhado por Ram, meu choffer e guia pelos próximos dias. Já tinham de avisado que aqui na Índia é muito barato contratar um carro com choffer para te levar para os lugares, mas tendo sido Mayank a providenciar foi melhor ainda, pois ele montou um roteiro com algumas cidades e locais para Ram me levar e ficar disponível para o que eu desejasse fazer 24h. Está aí uma comodidade que não imaginaria encontrar em outro lugar, não pelo preço que se paga aqui. Mas estou percebendo que a relação do indiano com a vida, trabalho e dinheiro é bastante peculiar, voltarei ainda a este assunto.
Ram supostamente fala inglês, mas ele sempre mistura um hindi pelo meio, e não tem muito vocabulário, de forma que a gente vai se entendendo aos poucos. Ele me levou pra conhecer New Delhi, ou a parte nova de Delhi, arquitetada pelos ingleses logo antes da independência para se tornar a nova capital. Fomos direto para a Cornaugh Place, uma grande praça redonda com vias saindo ortogonalmente em várias direções. Pareceu-me uma espécie de centro comercial de New Delhi, com várias ruas com lojas ao redor, muitas delas de marcas extrangeiras.


O trânsito
O trânsito é algo insano, inicialmente você não entende como é que não ocorre um acidente a cada 10 segundos em sua frente. São caminhões, ônibus, carros, motos, pessoas e tuk-tuks (um táxi que é metade da largura de um carro com 2 rodas atrás e 1 na frente), tudo misturado num balaio de gato que te deixa zonzo. Estou com o pé dolorido de tanto pisar no pedal de freio imaginário em minha frente, e várias vezes já falei de susto “bateu”, em português é claro.
Os motoristas buzinam sem parar, buzinam por qualquer coisa, para acelerar quem está na frente, pra reclamar, pra avisar que estão ali, e na grande parte das vezes buzinam pra avisar que estão passando.
Os pedestres atravessam, meio que olhando, meio que sem olhar, botando a mão dizendo pra você diminuir.
Os carros entram nas vias malmente olhando pra ver se vem alguém, ele simplesmente vai buzinando e entrando, não espera uma hora livre pra entrar, e os carros que vêm na via simplesmente diminuem e seguem atrás.
Aliás, já vi Ram bater de leve em um tuk-tuk na frente, e o que aconteceu? Nada, nem os passageiros que estavam sentados no banco de trás se deram o trabalho de olhar pra ver a cara de Ram. Por isto todos os carros têm pequenas mossas/amassados, e ninguém está nem aí pra consertar.
Inclusive, diga-se de passagem, em nenhum momento vi ninguém xingar outro no trânsito, as poucas vezes foram reclamações bem educadas. É impressionante.
Sabe qual é o grande truque disto tudo? A velocidade. Dificilmente a velocidade nas ruas passa de 40Km/h, no meio da craude a velocidade varia em torno de 20Km/h, e nas grandes avenidas roda-se a 60Km/h. A esta velocidade qualquer incidente pode ser contornado e nenhum acidente se torna grave. E antes que se pense que nesta lerdeza não se chega a nenhum lugar vou dizer que não vi o trânsito parar em nenhum momento. É uma grande confusão que constantemente flui, raramente existe semáforo, e andamos distâncias maiores do que 20Km sem nunca termos demorado mais do que 40min. Isto numa cidade maior do que São Paulo.
Não que eu ache que nosso trânsito devesse ser zoneado desse jeito, mas estou cada vez mais convencido de que a maior parte dos semáforos mais atrapalha do que ajuda o trânsito, que o hábito de dar passagem faz o trânsito como um todo melhorar muito, reduzindo o tempo de viagem, e que velocidade acima de 60Km/h é o maior ofensor para os acidentes automobilísticos.
Uma boa analogia sobre como funciona o trânsito por aqui é olhar para como andamos em uma multidão em uma rua de comércio, um shopping lotado ou uma estação de ônibus ou metrô na hora do rush, isto numa densidade em que ainda conseguimos andar sem estarmos espremidos. A gente anda no meio de todos e pouco nos chocamos com as outras pessoas, são muitas pessoas mas não chegamos a parar para esperar, o fluxo é contínuo em grande parte do tempo, e sempre deixamos as pessoas passarem em nossa frente mantendo sempre uma distância mínima de todos ao redor. O povo aqui está muito acostumado a andar em multidão de forma civilizada, e agem da mesma forma no trânsito. Estou impressionado.
Mas voltando ao relato do dia, estava com fome e Ram me levou a um McDonalds, ele deve ter imaginado que seria o que eu mais gostava. Não quis nesta primeira refeição partir logo pra comida indiana, e daí aceitei a sugestão do Mac. O único sanduíche que tinha com proteína animal era o McChicken, e foi este mesmo, o resto eram opções vegetarianas.
Minha primeira missão era comprar um chip local, para poder fazer e receber chamadas do povo aqui, de preferência com pacote de dados. Andamos no meio ao calor infernal, com uma poeira poluída, e por ruas sujas e fedorentas, consegui comprar um chip, mas lá não fazia a carga (???), saímos por mais ruas de terra com cheiro de esgoto para achar uma loja subindo uma escada de 50cm de largura para chegar em um cubículo de 3 m² e pé direito de 1,9m (nem era quente e abafado), e lá o cara fazia recarga. Ram interagiu com o vendedor sem que eu entendesse uma palavra, e daí me falou o valor, que também não entendi quanto seria. Mostrei o dinheiro a ele e ele pegou a quantia necessária. Ao todo o chip pré-pago com direito a 300 minutos e pacote de dados ilimitado saiu pela incrível quantia de Rs 520, equivalente a R$ 21,00. As operadoras no Brasil nos exploram descaradamente.
A segunda missão foi comprar roupas, já que minha mala ainda não havia aparecido e a muda de roupa que havia levado já estava bem suada. Entrei numa loja da Lee, já que não era o momento de ficar procurando muito algo indiano que agradasse. Escolhi três camisas de botão bonitas (quadriculadas estão na moda aqui e ainda vão me servir pro São João) e uma calça jeans, e Ram aproveitou o brinde a ele concedido, por ser motorista de turismo e ter me levado na loja, e levou uma camisa pra ele também. Esta compra saiu muito caro, pois é marca importada, custou a extravagância de Rs 5.700, ou R$ 220,00, menos de metade do que seria no Brasil.


Álcool
Depois Ram me perguntou se eu bebia álcool, falei que sim e ele disse que gostava de vinho, e que na Índia tem bons vinhos, ainda que um pouco diferentes (imaginei). Percebi que ele gostava da cachacinha mas por questões culturais não podia revelar o quanto, falei que gostava de vinho, cerveja e wisky, e daí ele me levou numa casa de bebidas para comprarmos algo, pois em outros lugares não acharíamos.
Já tinha lido que o consumo de bebidas alcoólicas é restrito na Índia. A maior parte dos restaurantes hindus não vendem, em algumas cidades chega a ser proibido o comércio de álcool, especialmente destilados. Parece que só recentemente que o consumo passou a ser liberado de forma moderada, e começou-se também a produzir destilados nacionais. Tudo por conta da religião hindu, que considera a bebida alcoólica como danosa pro corpo e espírito. De forma que as lojas de bebidas aqui parecem com uma distribuidora de bebidas do Brasil, mas sem as caixas de cerveja, somente os litros de destilados.
Ram pediu uma garrafa lá de uma marca local mas expliquei a ele que só bebo scoth, de preferência Jonny Walker Red Label (depois de muitos porres na vida a gente aprende a dar valor à marca boa), o rapaz respondeu que não tinha, perguntei então por Chivas, ele tinha 12 anos a Rs 3.000, fiz as contas, 120 reais, um pouco mais caro do que no Brasil, vai este mesmo. Ram ficou abismado, uma garrafa de bebida que custa 3.000 rúpias é algo que ele nunca imaginou tocar na boca. Saiu andando com a garrafa na mão falando que carregava uma bebida que valia o salário dele de um mês. Não quis comentar que já paguei 3 vezes aquele valor numa garrafa que tomei em uma sentada. Já estava me sentindo pra lá de burguês ostentador, e me envergonhei de não ter comprado uma marca local.
À noite Lokesh apareceu e fomos jantar. Ele não entendeu nada quando apareci com a garrafa de wisky, ele falou que não bebia e percebi que Ram não quis se expor, daí eu falei que gostava, e ele então se prontificou a me levar em um lugar onde deixavam você entrar com sua garrafa para comer e beber lá dentro.
No caminho falei que eu ainda precisava comprar um notebook. O que?! Alex viajou sem levar o notebook?!?! Isto mesmo. Vi que os preços aqui eram bem mais baratos que no Brasil, por conta dos impostos menores e proximidade com a China, e daí resolvi deixar pra comprar um novo pra mim aqui. Movi todos meu arquivos para a internet, fiz backup em pen-drive, e viajei tranquilo. Cada vez mais minha vida está on-line e menos dependente de qualquer máquina em particular.
As lojas dos shoppings já estavam fechadas as 21h. É uma cidade grande mas com baixo poder aquisitivo, além de ter uma cultura pouco consumista e muito caseira. Levará um bom tempo ainda até que o capitalismo consumista domine por aqui.
Fomos a um restaurante indiano típico, a pedido meu, chamado Machan. Espaço a céu aberto, uma bandinha tocando musica indiana no fundo, um espaço reservado só para casais, e comida típica indiana. Praticamente não havia mulheres no local, e o espaço para casais tinha somente um ou dois casais de namorados. Lokesh me explicou que as mulheres indianas ficam em casa em geral, e saem só com os maridos, além de não existir este costume nosso de sair pra jantar ou se divertir. A vida das pessoas é centrada muito na família.
Pedimos copos ao garçon e abrimos o wisky. Começamos a tomar eu, puro como sempre, e Ram, misturado com gelo e água pois é muito forte pra ele, Lokesh não é de bebida e ficou na água. Como disse, a cultura hindu reprime o consumo de álcool e outras drogas, e além de sugerir o vegetarianismo reprime o consumo de cebola e alho, pois são comidas que esquentam o sangue (estimulantes). Ele e Ram são vegetarianos.
Lokesh acendeu um cigarro e começou a explicar que toda cultura indiana é centrada na família. Ele mora com os pais, e assim são a maioria das casas. Quando Mayank se casar a esposa dele irá morar com ele na casa dos pais dele. Ele demonstrou achar estranho eu morar sozinho, e quando contei que já casei e separei 3 vezes ele argumentou que este hábito de morar todos juntos na mesma família ajuda muito ao casal superar as dificuldades e diferenças, pois se ele ou a esposa começarem a ter problemas os pais irão conversar com cada um, ouvir, orientar e apoiar no que for necessário para que o casal supere as crises e continuem juntos.
Achei a imagem bem bonita, especialmente quando vemos no mundo moderno os casais cada vez se separando mais, e muitas pessoas ficando sozinhas porque não conseguem achar (leia-se decidir por) alguém com quem possam viver juntos, pois com os mínimos problemas que ocorrem já veem como solução mais simples a separação. Mas comentei com ele que no Brasil isto seria bem difícil, pois por um lado a mulher e a sogra costumam muito entrar em conflito brigando pela atenção/controle do homem, e por outro os pais frequentemente entram em conflito com os avós discordando severamente sobre a criação das crianças –o que para mim significa que ele discordam da própria criação que tiveram. Concluí que só com um aparato cultural e religião fortes é que se torna possível viver assim em comunidade, e que no Brasil as pessoas estão longe de ter esta maturidade.

Primeira Refeição
Daí chegou a comida tipicamente indiana, e Lokesh começou a me explicar o que eram as coisas, e me mostrar como se comia. Desde já adianto que a comida indiana é fundamentalmente apimentada, com muita pimenta do reino especialmente, e alguns outros vários condimentos. Pedi a ele que demandasse somente comida vegetariana, eu não sou de comer vegetais, nem gosto, mas vim aqui pra conhecer, e o desejo de conhecimento é mais forte do que os hábitos. Inicialmente veio uma espécie de tofú com tempero, que pegávamos com palitos. Depois veio pratos mais típicos, do pão deles, semelhante ao árabe, mas mais fino e gorduroso, com mais algumas tigelas com molhos. Até o fim da viagem conseguirei decorar os nomes. Come-se de mão, somente com a mão direita, pode-se usar a esquerda para ajudar a partir o pão ou pegar um copo, mas observei que eles usam somente a direita e deixam a mão esquerda sem função alguma. A gente inevitavelmente suja os dedos, e em todo lugar existe uma pia por perto para lavar as mãos. Na verdade a regra é que a mão esquerda é a utilizada para toilete, e portanto é impura, e acho que sabão não é lá muito utilizado por aqui, pois só vi nos hotéis. Daí a questão da toilete com a esquerda fazer sentido. Vou ver se consigo usar a mão esquerda da próxima vez que for ao banheiro, mas com papel, é claro.
Neste ponto me ocorreu que eu venho tomando consciência do meu vício em álcool, café e gordura animal, a ponto de não passar um dia sequer sem consumir, e daí me ocorreu que eu poderia aproveitar este período para experimentar os efeitos da abstinência, e daí saber a dimensão do meu vício. Decidi e falei pra Lokesh que passarei todos esses dias aqui me alimentando somente de comida vegetariana e sem beber álcool e café. Ele e Ram acharam estranho e não entenderam bem porque, mas falaram que esperam poder tomarmos umas cachacinhas quando formos sair pras festas em Jaipur, cidade onde eles moram.
Neste ponto Lokesh falou que ele tinha uma teoria sobre o problema dos relacionamentos no mundo ocidental. Na opinião dele a culpa maior é do álcool pois quando os homens bebem eles tendem a falar as coisas sem pensar, no calor do momento, e isto seria a maior causa das separações.
Eu até concordo que o álcool é uma droga que abala sim relacionamentos em vários aspectos, mas respondi a ele que na minha visão este não era o maior problema, mas sim o individualismo exacerbado da cultura ocidental. Do lado de lá do mundo a cultura do capitalismo e individualismo estimula as pessoas a serem totalmente independentes e auto-suficientes. As pessoas trabalham, investem muito em sua carreira profissional, ganham bastante dinheiro e podem fazer ou comprar o que desejarem. Associado a isto surge a ilusão de que somos todos poderosos, auto-suficientes, sem depender de ninguém pra viver ou ser feliz, e daí não aceitamos nunca abrir mão dos nossos ideais e objetivos, do nosso modo de vida, para deixar que o outro participe ou participar do mundo do outro, e com isto vamos nos tornando cada vez mais solitários, um fenômeno que cresce a cada dia no mundo ocidental, especialmente na Europa, e grandes cidades da América. Ele concordou comigo no raciocínio, mas não sei se ele tem a real medida de como o ocidental se sente auto-suficiente.
Depois fomos para a pousada. Estava bem cansado com o dia, e dormi rápido, mas acabei acordando no meio da noite. É, o jet-lag é complicado mesmo. Fiquei impressionado como o corpo é sincronizado com o ciclo diário. Para muitas pessoas isto é óbvio, pois possuem um ciclo totalmente regular, mas eu não, sou irregular por natureza, sem hora pra dormir, acordar, comer, etc. Porém, estou vendo que não sou tão irregular assim como pensava.

08/09/10 de maio – A viagem de ida

O avião partiu pontualmente de Guarulhos as 16:30h. A passagem comprada em classe econômica para 18 horas de viagem antecipava uma viagem cansativa, mas o Airbus 340 da Lufthansa surpreendeu com o conforto da poltrona, o bom espaço para as pernas, um conjunto com travesseiro, manta e headphones, e um monitor individual. Pra não falar na gentileza e atenção da tripulação, e o serviço de bordo mais completo que já conheci. Foi um pouco mais caro do que em outras companhias, mas valeu a pena.
A leve ansiedade foi suficiente para me tirar o sono, li revistas, livros, um jornal em alemão para relembrar (não entendi nada!), assisti o filme de Sherlock Holmes em inglês sem legendas (não entendi quase nada!) e só dormi nas duas últimas horas de vôo, quando no Brasil seria entre 2 e 4 da manhã, contudo, em Munique já eram 9:00 e a tripulação começou a servir o café da manhã e preparar para o pouso.
Desci no aeroporto ainda com sono e os olhos ardendo. Tinha me informado sobre o tempo em Delhi, 40 graus Celsius com humidade, me preparei para encontrar um clima semelhante a Manaus e me lembrar de como é viver em uma sauna, mas a correria não me deixou lembrar como estaria em Munique, o jornal trazia a previsão de 5 graus, e eu não tinha trazido nada para o frio. Primeira missão: comprar uma jaqueta!
O terminal 2 do aeroporto de Munique é super moderno. Muito novo, bonito e bem equipado. Lembrei-me que a última copa do mundo foi na Alemanha o que deve ter motivado a reforma. Haviam várias lojas Duty-Free com uma variedade enorme de produtos, e bons restaurantes e lanchonetes. Comprei uma jaqueta bonita, sendo em euros foi naturalmente cara, mas vai me servir por muito tempo. Aproveitei também para comprar uma câmera fotográfica – sim, eu não tinha uma, não sou de tirar fotos.
Domingo ensolarado, 8 horas de espera até o voo para Delhi, perfeito para dar uma volta por Munique. Passei pela imigração sem maiores problemas. Já tinha ouvido falar que a Alemanha era tranquila para entrar.
Saí do terminal para uma área central aberta entre os terminais. Um vento gelado cortante me fez desenvolver imediatamente um apego emocional à minha nova jaqueta. Ao redor propagandas de carros elegantes e uma partida infantil de futebol em uma quadra de gramado sintético improvisada com perfeição. Fui seguindo as placas em direção ao “bahn” (sabia que aquele curso de alemão um dia ainda iria me servir pra alguma coisa!). Comprei a passagem válida para todo o dia em um terminal automático. A máquina só aceitava notas baixas, e eu só tinha de 50 euros, mas paguei tranquilamente com meu cartão de crédito. Adoro a modernidade!
Peguei um trem do aeroporto para uma das estações no centro. Curioso é que não havia uma cancela para embarque, nem portão, nem um funcionário para me solicitar a passagem. Aliás, em nenhuma das estações de trem ou metrô que passei havia ninguém para conferir a passagem. Já me disseram que de vem em quando passa um funcionário conferindo as passagens, e a multa é pesada se te pegam sem uma, mas definitivamente isto nunca funcionaria no Brasil. Talvez, quem sabe, daqui a uns duzentos anos nosso povo tenha consciência suficiente para se comportar adequadamente, mas antes teríamos que extinguir essa mania de querer se dar bem sempre que se tem oportunidade. Aliás, algumas pessoas que conheço vão mais além, e demonstram uma sincera satisfação quando acham qualquer oportunidade de burlar a lei, mesmo com ganho mínimo. É lastimável!
O trem atravessava uma área semi-rural, com grandes extensões de cultivo mecanizado, e alguns conjuntos residenciais. Tudo extremamente organizado, limpo e moderno. É admirável o perfeccionismo técnico alemão! Eu deveria ter nascido na alemanha, tenho uma enorme identificação com essa cultura. Quando eu estudava alemão nos anos noventa sempre me vinha a convicção de que eu devo ter nascido aqui em uma reencadernação passada.
Desci na Marienplatz, que deduzi ser no centro. A praça estava bem cheia de gente num aglomerado que percebi como uma concentração de torcida para um jogo do Bayern München. Saí andando pelo centro a ermo tirando fotos das antigas construções. Nada chama muita atenção na arquitetura alemã, é tudo austero e simples, sem o apreço por monumentos como costuma-se ver em Paris, por exemplo.
Almocei em um restaurante típico. Comida alemã é sempre porco, geralmente na forma de algum embutido, com repolho azedo e pretzel, igual aquele que vende no shopping, mas com casca dourada e com pedacinhos de sal (grosso?). Não sabia se me preocupava com o colesterol ou com a pressão. Acho que estou ficando velho...
Voltei ao aeroporto para pegar o voo para Delhi e já no monitor da estação de trem vi a notícia que por conta das cinzas do vulcão todos os voos tinham sido cancelados. Oh não!
O aeroporto estava bem cheio. Passei pela polícia de fronteira para ganhar mais um carimbo no passaporte (vou fazer coleção), e fui atrás de informações. A fila estava interminável, e ver algumas pessoas na fila sentadas no chão me desanimou a entrar nela. Consegui falar com um funcionário da Lufthansa no meu suposto portão de embarque e o mesmo me informou que não haveria mais voo naquele dia e estavam torcendo para que no dia seguinte estivesse liberado, que eu deveria ligar para central de informações mas estava bem difícil conseguir falar com eles, e que eu deveria pegar minha bagagem no desembarque e ir pra um hotel, mas adiantou que estavam todos bastante cheios. Diante da minha expressão animada de alguém que viajou 11 horas e não dormia há 24 ele me orientou a ir para o Marriot. me deu um ticket da Lufthansa e falou que tinha um ônibus da empresa que me levaria lá.
Poxa, a Lufthansa é boa mesmo! Hospedar a gente no Mariot não é pra qualquer um não, ainda mais com todos os voos cancelados. Desci para pegar minha mala e área de esteiras de bagagem estava um caos, tinha pra mais de 5 mil pessoas tentando achar sua mala e uma total ausência de informação sobre em qual esteira acharia a minha.
A maior parte das pessoas que conheço ficam muito consternadas em situações assim, e enfrentam a situação reclamando da sorte. Mas eu não consigo. Primeiro que nunca reclamo da sorte, pois nunca resolveu nada, e segundo que ser obrigado a enfrentar horas de filas e multidões me mortifica tanto que sempre fico achando que nunca deveria ter nascido, e que meu maior desejo é morrer o quanto antes. Sei que isto parece frescura, mas é verdade, faço de tudo pra não ser obrigado a passar por uma situação assim. Foi por isto que desenvolvi uma grande capacidade de antever as adversidades e me preparar para elas. Não coloquei nada de muito valor naquela mala, e poucas roupas, só um terno e uma camisa foram caros, e tudo poderia ser facilmente reposto. Sim, já havia contado com a possibilidade de perder a mala, e horas antes do embarque comprei uma mochila de tamanho médio para levar na mão. Coloquei nela tudo de importante como documentos, cartões, remédios, celulares, carregadores, livros e uma muda de roupa, em resumo tudo que me permitiria seguir viagem caso perdesse a mala. Sendo assim, eu poderia ir para o hotel descansar e deixar pra procurar a mala no dia seguinte. Se a mesma sumisse a Lufthansa teria que me reembolsar, e além disso comprei a passagem pelo Amex, o que me deu automaticamente um seguro contra perda de bagagem de até US$ 100,00 por quilo, além de várias outras assistências para viagem. O prejuízo seria pequeno.
Nem quis saber do ônibus, que calculei estaria cheio com tanta gente tendo perdido o vôo. Meus dois smartphones me permitiram achar o endereço do hotel, olhei no google maps e havia uma estação de metrô bem perto. Minha passagem comprada para o dia todo seria mais uma vez utilizada.
Cheguei no hotel por volta das 19h. A simpática atendente perguntou se eu tinha um voucher da Lufthansa e falei que só tinha aquele papel que o funcionário havia me dado e orientado ir para lá.  Ela olhou e re-olhou a lista de reservas procurando por todos meus nomes mas definitivamente eu não estava lá, tentou ligar pra Lufthansa algumas vezes mas estava totalmente congestionado, falou com outro hotel da rede e também não encontrou nenhuma referência. Aliás, ela achava difícil que a Lufthansa pagasse meu hotel, pois o voo foi cancelado por motivos não humanos, mas se eu quisesse ficar lá ela tinha quartos disponíveis, custava apenas 199,00 euros por noite. É, alegria de pobre dura pouco...
Bem, eu poderia ficar tentando insistentemente falar com a central de atendimento da Lufthansa para ver se no meu caso, de conexão cancelada, eles bancariam um hotel para mim, mas isto poderia levar horas. Poderia também acionar a assistência de viagem da Amex ou a central do clube de hoteis que participo para ver se encontraria um hotel mais barato, mas na Europa é difícil encontrar um hotel decente por menos de 150 euros. Mas se tem uma coisa que me motiva a trabalhar feito um corno é a liberdade de poder pagar para ter um pouco de conforto, e cansado como estava conforto era o que eu precisava. O quarto era maravilhoso, tomei um belo banho na banheira com água quente e sais. Nunca antes tinha dado tanto valor a um banho de banheira. Dormi 12 horas seguidas e só levantei porque precisava ainda resolver o problema da mala e marcar o voo de continuação para Delhi.
Chegando no aeroporto fui procurar minha mala, mas me informaram que a mesma tinha seguido para Delhi e eu a pegaria lá, hummm improvável. O aeroporto havia sido reaberto e os voos retomados regularmente, boa notícia. Só há um voo diário pra Delhi e consegui marcar tranquilamente.
A viagem foi tranquila, mais uma vez não consegui dormir e fiquei lendo e assistindo filmes. Ganhei mais 3,5 horas de fuso, totalizando 8:30 horas a mais, cheguei em Delhi as 7:30 da manhã do dia 11, mas no Brasil ainda eram 23h do dia 10. Bem, vou tirar vantagem da minha constante irregularidade de horários para me adaptar ao fuso e diminuir os efeitos do jetlag, mas acho que não vai ser muito fácil.